Dramaturgia, direção e elenco se irmanam na excelência de Se Essa Lua Fosse Minha

Se Essa Lua Fosse Minha

Quando navegadores deixaram sua terra na província espanhola de Terrarrosa, e aportaram na então desconhecida terra de Porto Leste, iniciou-se uma batalha entre navegadores e nativos pelo direito às terras. Estendida ao longo de anos, a guerra viu cessar de fogos com um acordo: nativos não poderiam atravessar a linha que os separava de navegadores. 

O acordo, contudo, se viu ameaçado pelo improvável encontro entre Iago, filho do monarca de Terrarosa, e Leila, nativa de Porto Leste. A relação dos jovens evolui para um amor improvável, que acaba por estremecer as relações entre os dois lados. 

Essa é a premissa básica de Se Essa Lua Fosse Minha, espetáculo musical em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental, na região central de São Paulo desde a última terça-feira, 07. Composto por Vitor Rocha e Elton Towersey, o espetáculo busca nos clichês das histórias de amor uma forma de subverter o gênero do teatro musical, com de canções que bebem da fonte do folclore e de brincadeiras infantis para contar a história. 

Sob a direção de Victoria Ariante, o musical se impõe como uma das melhores produções em cartaz abusando de uma linguagem cênica lúdica e poética, conduzida no tempo da delicadeza. A diretora, embora abuse da ludicidade, contudo, não abre mão do registro realista da trama, criando uma irmandade cênica rica, baseada, quase que completamente, no desenho de luz criado por Lucas Farias e na condução do (ótimo) elenco. 

Aliás, a trupe de atores que compõem o elenco é um dos pontos mais altos dessa montagem que, em nenhum momento, tem oscilação qualitativa. O grupo resulta uniforme em cena, fato que, cada vez mais, parece raro no teatro musical brasileiro – ponto para a direção esmerada de Ariante. 

Na pele do casal Igor e Leila, a dupla Arthur Berges e Luci Salutes encabeça um elenco muito bem aproveitado, que permite a abertura de espaço para alguns (excelentes) destaques. 

Bom ator que ganhou projeção em 2016 ao protagonizar a (elogiada) montagem carioca de Love Story, Fábio Ventura encarna com graça seu capitão Ricardo Ernesto Batesquião, monarca falido que comanda um dos lados de Porto Leste após a divisão da guerra. Com uma voz tamanha, o ator ainda precisa podar excessos para que sua personagem atinja o ápice sem soar meramente maniqueísta. 

O contrário pode-se dizer sobre Larissa Carneiro. Na pele da Sra. Batesquião, a atriz abusa de um registro delicado trabalhado com tempero cômico. Carneiro cresce à medida que a encenação avança, e consegue ótima parceria com Ventura. 

Na pele do príncipe Iago, Arthur Berges abusa das nuances de sua personagem, passeando sem dificuldades por registros que variam entre a comicidade e o romantismo, atingindo seu ápice já próximo ao desfecho, quando flerta com a tragédia. Berges faz deste seu melhor desempenho em cena, apagando a má impressão deixada por seus dois últimos trabalhos, Natasha, Pierre e o Cometa de 1812 e Aparecida, Um Musical. 

Na pele da mocinha Leila, Luci Salutes também se destaca, angariando para si alguns dos melhores momentos do espetáculo. Amparada por um olhar expressivo, a atriz passeia com perfeição pela evolução de sua personagem, conseguindo um desempenho espetacular, se comprovando uma excelente atriz da nova geração do teatro musical. 

Outro grande destaque está na figura de Letícia Soares, atriz e cantora expansiva que não teve o palco correto para sua personalidade tamanha como ensemble em Sunset Boulevard, mas encontrou a perfeição como narradora desta história, na qual pôde utilizar não apenas seu canto como seu inegável carisma para dar vazão a história, em uma excelente performance. 

Carisma, aliás, é o ponto alto das personagens criadas por Vitor Rocha, como é o caso do mordomo Floripio, vivido por um inspirado Davi Tápias. O ator também angaria um de seus melhores momentos em cena, reafirmando o controle entre emoção e técnica, já latente em seu último trabalho, Lembro Todo Dia de Você. 

Ao longo do espetáculo Se Essa Lua Fosse Minha, o Tápias ameaça enveredar por uma caricatura do servente bonachão, mas encontra um registro cômico comedido, capaz de encantar a plateia. O ator constrói um excelente jogo cênico com sua parceira, Marisol Marcondes, outro grande destaque desta montagem. 

A atriz encontra neste espetáculo a chance de se comprovar a ótima atriz que é. Na pele da atrapalhada princesa Belisa, Marcondes assume com perfeição a transformação de sua personagem, que passa de alívio cômico para a grande vilã da história em uma reviravolta impressionante proposta pelo autor Vitor Rocha, que, em cena, assume o papel do ingênuo melhor amigo de Leila. 

Rocha abusa de insuspeito carisma para conquistar o público na pele do apaixonado Pirulito, jovem soldado que se vê apaixonado pela melhor amiga, e se descobre traído graças a paixão da jovem pelo inimigo. Sem a voz necessariamente talhada para o canto, o autor consegue conquistar a plateia, ainda que renda menos no momento de transformação de sua personagem – mas nada que comprometa seu (bom) desempenho. 

Mas o grande destaque dessa montagem de Se Essa Lua Fosse Minha, sem dúvida, é a dramaturgia. Embora ainda flerte com o folclore e a linguagem lúdica que consagrou Cargas D’Água, seu primeiro musical, Vitor Rocha encontra em “Se Essa Lua Fosse Minha” a possibilidade de trabalhar uma dramaturgia mais elaborada e repleta de elementos folhetinescos, subvertidos sem concessões. 

Compostas por Elton Towersey, as canções que envolvem a trama também se destacam pela fina carpintaria musical, irmanando belíssimos temas inéditos, como Se Essa Lua a temas do folclore brasileiro e a cirandas como Sambalelê e Escravos de Jó, destacando ainda canções como Tudo Piora Antes de Melhorar e Belisa. 

Na obra, dramaturgia e canção se irmanam com perfeição, num projeto burilado com esmero raro no teatro musical, que, além de flertar com o universo infantil, também encontra na literatura a inspiração para dar encerramento a essa história que, como os poemas “Ismália” (Alphonsus Guimarães) e Alfonsina y el Mar (Félix Luna) – nos quais busca inspiração –, deságua numa tragédia comovente e imprevisível. 

Em cartaz até 10 de julho no Teatro do Núcleo Experimental, as terças e quartas, Se Essa Lua Fosse Minha é mais do que simplesmente um experimento cênico-musical. A obra criada por Vitor Rocha e Elton Towersey sob a excelente direção de Victoria Ariante, é um diamante já burilado que se impõe como um dos melhores espetáculos do teatro musical brasileiro que, ao longo de quase (e inacreditáveis) duas horas e meia, não tem medo de subverter signos e clichês do teatro clássico para, assim, conquistar o público. 

SERVIÇO: 
Se Essa Lua Fosse Minha 
Data: 07 de maio a 10 de julho (terças e quartas-feiras) 
Local: Teatro do Núcleo Experimental – São Paulo (SP) 
Endereço: Rua Barra Funda, 637 – Barra Funda 
Horário: 21h 
Preço do ingresso: R$ 60,00 (inteira)/ R$ 30,00 (meia)

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

Notícias relacionadas