Com direção refinada, Entre foge de clichês ao discutir violência doméstica

Entre | Foto: Murilo Alvesso

Tema que ganhou justo destaque na última década, a violência doméstica recebeu tratamento homogêneo das montagens teatrais que decidiram retratá-lo em cena. Basicamente partindo de depoimentos da agredida (e geralmente a figura feminina toma a frente, representando a realidade do machismo estrutural ao redor do mundo), sempre ganhou retrato de discussão e combate a ataques que culminavam, em sua maioria, em casos de feminicídio.

Entre, peça de Eloísa Elena em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade até o dia 26 de junho, volta a temática, mas busca um novo olhar acerca das violências sofridas por mulheres em seus lares.

Através do encontro de três irmãos (interpretados por Alexandre Cioletti, Cláudio Queiroz e pela autora) que decidem sobre a comemoração do aniversário de casamento de seus pais, Elena busca retratar o machismo, o patriarcado e sua influenciam na omissão de casos de abuso e agressão.

Com uma construção delicada, o texto até ameaça abusar da trivialidade da qual se vale para perfilar as três personagens formadas por um irmão bem rico e bem sucedido, outro que decidiu optar pela fotografia e recebe julgamentos tanto morais quanto profissionais da família, e outra que se tornou dona do próprio negócio, uma modesta loja de bolos.

Ao se encontrarem para discutir a efeméride dos pais, o trio revela angústias, mágoas e conseguem injetar (até) certa ternura ao longo de uma hora de encenação, valorizada, indubitavelmente, pela ótima direção de Yara de Novaes e Carlos Gradim.

A dupla constrói em cena uma linguagem que põe os atores como narradores e agentes da história. O trio cumpre bem a demanda, dialogando com naturalidade com inventivo cenário de André Cortez, que valoriza a ação da peça e impõe certa beleza plástica a encenação, dialogando com certa ruptura à proposta dos figurinos pensados por Marichilene Artisevskis, e pela luz precisa de Guilherme Bonfanti.

O elenco consegue um resultado homogêneo. Na pele da irmã que se omite diariamente, Eloísa Elena entrega uma interpretação que passeia com naturalidade entre a delicadeza e uma ansiedade desmedida. A atriz constrói uma personagem baseada em frustrações, comodidades e aceitações.

A dupla Alexandre Cioletti e Cláudio Queiroz também aproveitam bem as oportunidades que têm, muito embora suas personagens se mostrem com um arco dramatúrgico menos bem resolvido.

Elena coloca sua personagem como uma espécie de representante da omissão, levando o espetáculo a discutir as influências do patriarcado e do machismo na figura feminina quando ela não está, guardadas as devidas proporções, no papel da vítima. E é aí que se encontra o triunfo da encenação, explorando novos caminhos – ainda que, de certa forma, ortodoxos – para as discussões as quais se propõe.

Ação contínua, Entre peca apenas pelo didatismo visual ao qual se propõe já com as cortinas fechadas em cena protagonizada pelos atores Lavínia Pannunzio e Joca Andreazza que, embora pretenda estender a discussão posta na mesa pelo espetáculo, amacia visualmente o choque proposto pela encenação.

Mas este é detalhe menor, frente a ótima comunhão entre estética e conteúdo atingida pela direção de Yara de Novaes e Carlos Gardim e o excelente trabalho do elenco, que não apenas valoriza uma (pertinente) discussão, como também muda o foco, estendendo uma lupa sob outro viés que compõe o problema central.

SERVIÇO:

Data: 04 a 26 de junho (terças e quartas)

Local: Oficina Cultural Oswald de Andrade – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro

Horário: 20h

Preço do ingresso: Grátis

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