Irregular, montagem de Chá e Catástrofe se prende a forma sem jamais comunicar

Chá e Catástrofe

Peça encenada originalmente em Londres em 2016, Escaped Alone foi um sucesso de crítica que apenas confirmou a excelência da dramaturgia de Caryl Churchill, a mais famosa e prestigiada dramaturga inglesa que, a época, contando com 78 anos de vida, surpreendeu pela capacidade reinvenção de sua dramaturgia e olhar afiado e atento às discussões contemporâneas. 

É, portanto, surpreendente o resultado de Chá e Catástrofe, versão brasileira do texto de Churchill, que reestreia, dia 01 de junho, em curtíssima temporada no Teatro João Caetano, zona sul de São Paulo. No espetáculo dirigido por Regina Galdino, a história de um grupo de senhoras que se encontra para tomar chá e tem sua rotina abalada pela chegada de uma nova componente, soa aquém das possibilidades aventadas pelo texto original. 

Com um elenco estelar composto por Chris Couto, Selma Egrei, Agnes Zuliani e Clarrise Abujamra, Chá e Catástrofe tem um desenvolvimento que, embora abarque amplamente a linguagem absurda, peca na comunicação com o público, transformando o espetáculo numa eventual comédia nonsense. 

Na pele de Sra. Jarret, personagem ligada aos noticiários de uma sociedade distópica, Clarisse Abujamra injeta uma leveza proveniente de seus tempos de bailarina que contrasta bem com a personagem, embora, no todo, pareça deslocada em cena. Com um jogo cênico prejudicado pela fragmentação do texto, o elenco faz o que pode na defesa de personagens montadas originalmente de forma irregular. 

Excelente atriz, Chris Couto parece pouco confortável na pele de sua Lena, mulher ativa que se vê prostrada num processo depressivo ao ser demitida e se entregar ao ócio. Lena é a personagem com arco narrativo menos claro e, ao decorrer da peça, resulta sem função. 

Parecido acontece com Sally, personagem defendida com excelente timing cômico por Agnes Zuliani. Na pele da senhora que sofre de ailurofobia, o medo extremo e irracional de gatos, a atriz busca identificação com o público através de doses de um humor inesperadamente irreverente, sem jamais expressar de fato a função de sua personagem. 

Por sua vez, Selma Egrei tem, na história de Vi, o arco narrativo melhor resolvido. A personagem assassinou o marido e agora busca se recolocar na vida social após cumprir anos de prisão. Com um toque de humor insuspeito, Egrei é a que tem mais êxito na identificação com o público, muito embora as ações de sua personagem se mostrem restritas. 

Regina Galdino também busca aproximar a plateia de uma história que, através da livre associação, procura um elo com a sociedade contemporânea através dos desastres de Brumadinho e Mariana, por exemplo – ainda que jamais citados nominalmente. Contudo, a diretora peca ao não proporcionar ao elenco elementos que, dentro da proposta absurda e fragmentada, tornem críveis as histórias contadas em cena. 

Ainda que cenário e figurinos remetam a uma montagem de tom naturalista, é impossível captar a totalidade do espetáculo, concebido em tons ácidos e críticos. Fica claro, contudo, que a versão de Eliana Rocha para o texto de Caryl Churchill defasa elementos delicados, como o pito sutil frente a inércia de uma elite social e cultural que vira as costas para as catástrofes postas à baila, frente às suas questões pessoais, ficando apenas na superfície da forma sem profundidade. 

Chá e Catástrofe é um espetáculo de excelente premissa, remetendo às comédias clássicas inglesas bebendo de fontes claras, como a de Samuel Becket, e com um excelente elenco, mas, a despeito da boa proposta, fica no meio do caminho por um desenvolvimento irregularmente fragmentado e pouco usual, talvez pouco assimilado em território (e língua) tupiniquim. 

SERVIÇO: 
Chá e Catástrofe 
Data: 01 a 16 de junho (sábados e domingos) 
Local: Teatro João Caetano – São Paulo (SP) 
Endereço: R. Borges Lagoa, 650 – Vila Clementino 
Horário: 21h 
Preço do ingresso: R$ 10,00 (meia)/ R$ 20,00 (inteira)

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