Sem vitimismos simplórios, peça traça melancólico panorama sobre sobreviventes do songbook americano

Chet Baker Apenas um Sopro | Foto: Victor Iemini

Trompetista que criou maneira própria de executar as notas sagradas do ritmo vindo de Nova Orleans, Chet Baker foi figura tão genial e mítica quanto problemática dentro dos estúdios profissionais que, em meados dos anos 1960 até metade da década de 1980, ainda abrigavam personalidades ligadas ao ritmo que revolucionou a música popular norte americana em meados das décadas de 1910 a 1940.

O ritmo, que passou a decair vertiginosamente nas rádios a partir da década de 1970, encontrando o auge de sua derrocada entre a segunda metade da década de 1980 e a década de 1990, é o que move Chet Baker – Apenas um Sopro, peça que estreou em 2016 em São Paulo, e retorna agora, três anos depois, para uma turnê por capitais do Brasil.

Passando por São Paulo desde ontem, 22, o espetáculo fica em cartaz no Teatro FAAP até domingo, 25, em curtíssima temporada com ingressos disputados. Sob a direção de José Roberto Jardim, o texto de Sérgio Roveri narra um recorte específico da vida do jazzista.

No fim da década de 1960, Baker perdeu todos os dentes após uma briga de rua. Convencido a gravar um novo disco, a estrela então cadente do jazz conta com a participação e ajuda de três velhos amigos músicos e de um jovem baterista, que não lida tão bem com o ego e o temperamento dos colegas no estúdio.

Funcionando como rápido panorama do mercado jazzístico do momento, Chet Baker – Apenas um Sopro se vale, principalmente, do excelente desempenho de seu elenco, atores e músicos de primeira qualidade. Formados na escola do teatro musical tupiniquim, Anna Toledo e Jonathas Joba conseguem, neste trabalho, a concretização do processo que já haviam iniciado em Vingança – O Musical.

A dupla, naquela encenação baseada na obra de Lupicínio Rodrigues, havia mostrado uma forma orgânica de se produzir um musical frente a roda viva da grane máquina que se instalou no país desde o início da década de 2000. Muito embora se configure como uma peça musicada, Chet Baker é a solidificação do desempenho da dupla, figuras já de destaque no cenário do teatro musical brasileiro.

Na pele do baixista Rick, Joba constrói uma interpretação alicerçada no afeto que a personagem sente pela figura de Baker, além de mimetizar os trejeitos, tiques e a construção ególatra dos músicos de jazz na segunda metade do século XX.

Já Toledo, na pele da cantora Alice, constrói uma personagem que, a despeito de suas amarguras, carrega doses de humor, guiadas pelo senso de sobrevivência de uma veterana que não atingiu o auge como o de outras estrelas da xepa de Sarah Vaughan.

Piero Damiani e Ladislau Kardos também conseguem bons resultados em cena, e ajudam a dar o suporte necessário pra Paulo Miklos que, adquirindo segurança à medida que o espetáculo avança, apresenta bonita leitura de um Chet Baker frágil, angariando para si seu melhor momento como ator.

O ex-titã triunfa de fato quando, no desfecho do espetáculo, ao som de My Funny Valentine, volta a se comprovar um excelente cantor muito bem conduzido pela (sensível) direção de José Roberto Jardim, que não apenas compreendeu o melancólico panorama jazzístico traçado pelo texto de Sérgio Roveri, como também entendeu que a figura de Baker estaria melhor defendida se não buscasse defesa.

Sem simplismos vitimistas, o espetáculo triunfa justamente por mostrar suas personagens – e principalmente a personagem-título – como um recorte histórico do que foi a lenda jazzística sem jamais explicar ou escavar motivações.

Adornado por belíssimo cenário e excelente desenho de luz, que sublinham a dramaticidade plástica da obra, Chet Baker – Apenas um Sopro é representação tão bonita quanto melancólica de um grupo de sobreviventes que, a despeito de suas culpas e mazelas, seguiram fazendo de sua obra aquilo o que tinham de melhor para a posteridade.

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