Companhia Brasileira de Teatro injeta fôlego e contemporaneidade em obra seminal de Tchekhov

Por que não Vivemos - Foto: Nana Moraes

Ao longo de 20 anos, a curitibana Companhia Brasileira de Teatro construiu trajetória alicerçada em encenações incensadas da obra de dramaturgos obscuros ou mesmo inéditos no Brasil, além de montagens com dramaturgia própria. 

É sintomático, portanto, que, ao completar duas décadas de atividade ininterrupta, a Companhia inicie um processo de pesquisa para se debruçar em títulos do repertório clássico do teatro mundial, num movimento de autoanálise e (até) retorno aos primórdios do grupos e companhias teatrais (geralmente interessadas na montagem de clássicos da dramaturgia).

Contudo, fazendo jus a sua história, a companhia fundada por Marcio Abreu fugiu a qualquer obviedade ao escolher celebrar suas duas décadas de trajetória com a montagem de Por que não Vivemos?, adaptação de Abreu, Nadja Naira e Giovana Soar para Platonov, peça escrita pelo dramaturgo russo Anton Tchekhov ainda aos 18 anos de idade em 1878.

Ainda que popularmente conhecida como Platonov, a peça jamais teve um título definido, visto que o autor a engavetou e nunca a viu montada. Intitulada com o nome da personagem central do espetáculo, o texto foi descoberto apenas em 1920, 16 anos após o falecimento do dramaturgo aos 44 anos de idade.

Considerada sua obra inaugural, Platonov já apresentava signos e temáticas que ecoariam e reverbeariam em toda a obra de Tchekhov, podendo estabelecer claras ligações com títulos como O Jardim das Cerejeiras, As Três Irmãs e, guardadas as devidas proporções, Tio Vânia.

Ambientada numa propriedade rural de uma jovem viúva e seu enteado, a história se desenvolve durante uma grande festa de amigos, na qual surge Platonov após muitos anos afastado. A figura do aristocrata falido, que se tornou professor, desestabiliza algumas das estruturas do jogo dolce far niente estabelecido pelos frequentadores da grande festa sem previsão de terminar. O reencontro do professor com Sofia, um ex-amor de juventude torna a situação ainda mais delicada.

Embora injete inegável contemporaneidade ao texto, a encenação da Companhia Brasileira de Teatro jamais foge ao desafio de preservar os elementos da linguagem tchekhoviana, seja na afetação da comunicação entre as personagens, seja ao estabelecer, de maneira bastante delicada e quase imperceptível, um espaço temporal para o desenvolvimento da história.

O grupo não se priva de aproximar Por que não Vivemos? o máximo possível do público, seja alocando parte dele em cena (com direito a participações ativas), seja usando de elementos e citações da cultura pop para tornar o espetáculo palatável, com a singela citação de How Beautiful Could a Being Be (a canção feita por Moreno Veloso para seu pai, Caetano Veloso, e lançada pelo velho baiano no álbum ao vivo Prenda Minha, de 1998) e a interpretação do hit massivo Pense em Mim, lançado pela dupla Leandro e Leonardo em disco de 1990.  

A direção de Abreu consegue feito cada vez mais raro, que é a união, em cena, de um elenco extremamente homogêneo. Mesmo que alguns atores se mostrem mais derrapantes, no todo, o resultado é sedutor, seja revezando registros, como o carismático Platonov de Rodrigo dos Santos, o galanteador Nicolai de Rodrigo Ferrarini e o freak inocente Sergei de Kauê Persona.

Ou nas emoções à flor da pele exploradas por Cris Larin e Josi Lopes, nas peles de Maria Griékova e Sofia Egoróvna, respectivamente Contudo, é impossível deixar de mencionar, como óbvio destaque, a interpretação magnética de Camila Pitanga na pele da viúva Anna Petrovna.

Com uma construção que flerta com um registro cinematográfico, Pitanga constrói uma Anna Petrova magnética que se aproxima com graça das grandes personagens do nouvelle vague francês, que assume contornos dramáticos já no desfecho de um majestoso segundo ato, que desconstrói os efeitos do primeiro.

Se Marcio Abreu flertou com o nonsense, o contemporâneo e o absurdo para alinhavar toda a estrutura das duas horas que compõem o primeiro ato, é até com certo tradicionalismo que o diretor propõe a desconstrução daquela primeira história para dar seguimento a história de tormento pessoal de Platonov e daqueles que o cercam.

Ao longo de uma hora, com o uso de projeções, Abreu flerta com recursos falsamente simples para desenvolver a narrativa de Platonov que, embora tenha, à risca, envelhecido mal, principalmente frente a nova revolução de costumes, ganha fôlego insuspeito nas mãos da Companhia Brasileira de Teatro e resulta num dos melhores espetáculos em cartaz na cidade.

Resultado esse reiterado trilha de Felipe Storino, os figurinos de Paulo André e Gilma Oliveira e a cenografia de Marcelo Alvarenga. A (ótima) luz assinada por Nadja Naiara resulta mais poética a partir das possibilidades criadas pelo segundo ato (de fato, valorizado pelo trabalho de iluminação).

Por que não Vivemos? cumpriu temporada de 13 de fevereiro a 01 de março no Teatro Cacilda Becker, na Lapa, e retorna para o mesmo palco numa segunda temporada agendada para o dia 20 de março, até 19 de abril.

SERVIÇO:

Data: 20 de março a 19 de abril

Local: Teatro Cacilda Becker – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Tito 295 – Lapa

Horário: 20h (sextas e sábados); 19h (domingos)

Preço do ingresso: R$ 15,00 (meia) a R$ 30,00 (inteira)

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