Alicerçada em afetos e delicadezas, Entrevista com Phedra é bonito serviço de resgate e memória

Entrevista com Phedra | Foto: Edson Lopes Jr.

Quando morreu em 2016, vítima de um câncer, a atriz e cantora cubana Phedra D. Córdoba não era necessariamente uma figura conhecida nacionalmente. Radicada no Brasil desde a década de 1950, quando participou de uma série de Revistas do empresário carioca Walter Pinto, Córdoba se sagrou definitivamente uma atriz na virada do século, quando encontrou no grupo Os Satyros o veículo para mostrar sua versatilidade e talento dramático.

Desde então, Phedra se tornou uma espécie de madrinha da companhia de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, e musa da praça Franklin Roosevelt, no centro da cidade, onde fica localizada uma concentração de teatros e sedes de companhias teatrais – Os Satyros entre elas. Com sua trajetória previamente contada no documentário Cuba Libre, a artista chegou a aparecer em programas de televisão, dar entrevistas para grandes veículos e fazer espetáculo revisionista que chegou até sua terra natal, Cuba.

Mas sua casa sempre foi mesmo a sede da companhia teatral na Praça Franklin Roosevelt. É, portanto, sintomático que Entrevista com Phedra, peça escrita pelo jornalista mineiro Miguel Arcanjo Prado, tenha estreado e venha cumprindo concorridíssima temporada justamente na sede do grupo. No espetáculo, sob a direção de Juan Manuel Tellategui e Robson Catalunha, Arcanjo narra seu encontro com a diva cubana e traça perfil pessoal e profissional de Córdoba, artista de temperamento forte e marcante como seu talento.

Na peça, Arcanjo se põe em cena personificado pelo ator Raphael Garcia em construção que chega a beirar certo caricaturismo que, por vezes, disputa espaço com a interpretação, essa sim, grandiloquente de Márcia Dailyn, atriz que começou a carreira como bailarina e se sagrou a primeira artista trans do corpo de baile do Theatro Municipal de São Paulo.

Dailyn mimetiza a personalidade exuberante de Córdoba numa interpretação delicada, construída no tempo do afeto e das emoções latinas expostas por Phedra em todas as suas interpretações. A atriz domina o tempo cômico e constrói uma caricatura fiel a figura de Phedra sem jamais cair na chacota, ainda que haja certo tom de autodeboche na persona artística da homenageada.

Ponto para a direção elegante e detalhista de Tellategui e Catalunha, que constroem bonito quadro cênico entre a dupla de atores e amenizam a monotonia que costuma pairar em encenações construídas como documentários cênicos. Os diretores extraem de Dailyn, atriz de personalidade também forte, um fervor latino pautado pela emoção.

Delicada também é a belíssima luz criada por Diego Ribeiro e Rodolfo García Vázquez, que sublinham o tom intimista proposto pela encenação, que se passa no pequeno e aconchegante apartamento da diva cubana.

Se os depoimentos em vídeo cansam – a despeito de também divertir -, o texto de Arcanjo constrói bonito diálogo entre ficção e realidade, numa primeira incursão dramatúrgica que resulta despretensiosa – e mora aí a grande beleza do espetáculo, que, assim como sua homenageada, não se pretende nada além do que foi pensado para fazer, cumprindo expectativas e desempenhando importante papel de resgaste da memória teatral paulistana, tendo ainda, como uma espécie de plus, a inteligência de divertir o público.

SERVIÇO:

Data: 08 de julho a 02 de setembro (segundas-feiras)

Local: Satyros 1 – São Paulo (SP)

Endereço: Praça Franklin Roosevelt, 222 – Consolação

Horário: 21h

Preço do ingresso: R$ 40,00

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