Anacrônico, Uma Cena de Amor para Francis Bacon peca pelo excesso em experiência cênica online

Uma Cena de Amor para Francis Bacon - Foto: Divulgação

Em meados de março deste 2020, quando a pandemia do novo Coronavírus fechou teatros e espaços culturais Brasil afora, uma série de espetáculos tiveram suas temporadas e processos de ensaio interrompidos sem previsão de retorno. Com a companhia paulistana Manás Laboratório de Dramaturgia não foi diferente.

O grupo, fundado por Fernanda Zancopé e Dante Passarelli – artistas egressos do CPTzinho, de Antunes Filho – estava em pleno processo de ensaio de Uma Cena de Amor para Francis Bacon, espetáculo de Zancopé baseado na criação cinematográfica de nomes como Ana Carolina e Roy Andersson e na obra do pintor espanhol Francis Bacon (1561-1626).

Narrando o dia a dia de uma artista plástica que, ao pôr em cheque os acontecimentos e a passagem do tempo, decide transformar sua própria vida numa obra de arte, o espetáculo ganhou nova roupagem para sobreviver aos tempos de pandemia e cumpre temporada online, transmitida via plataforma de reuniões remotas Zoom.

Com a direção dividida entre Passarelli e de Zancopé, Uma Cena de Amor para Francis Bacon é espetáculo de dramaturgia não linear, com desenvolvimento e friccionado. A linguagem dialoga com o movimento do teatro contemporâneo que busca desossar signos do teatro direto para criar uma experiência que ressoe poética e abstrata, mas que, por vezes, resulta hermética e – até – ininteligível.

Uma Cena de Amor para Francis Bacon correria esse risco não fosse a (boa) carpintaria do texto de Zancopé, que impede, em grande parte, qualquer ranço preciosista e autoindulgente. A dramaturga, de fato, se põe à prova num texto que, embora cambaleie, se safa de soar irregular.

Contudo, a despeito de dramaturgia que pulsa contemporaneidade, o experimento cênico já nasce com ar anacrônico. Embora domine bem as ferramentas que permitem maior interatividade da plataforma de reuniões remotas com o espetáculo, a direção de Passarelli e Zancopé baseia toda a encenação nas artimanhas digitais, criando uma série de excessos que põem a dramaturgia em segundo plano.

Diferente de obras como Pandas… ou Era uma Vez em Frankfurt (que compreendeu com perfeição as linguagens propostas pela nova experiência) e mesmo Onde Estão as Mãos, Esta Noite? (que apelou para um naturalismo bem construído frente a câmera), Uma Cena de Amor para Francis Bacon parece não ter conseguido definir uma linguagem e, a medida que a encenação (de excessiva 1h30) avança, cresce a impressão de que o espetáculo não sai do lugar.

A falta de dinamismo ganha contornos intensos quando posto à prova com elenco irregular (formado por Leonardo Silva, Pedro Ribeiro, Luiza Válio e por Fernanda Zancopé e Dante Passarelli), que rende pouco frente os desafios da nova experiência. O grupo se ressente de uma direção mais clara e que opte de fato por uma linguagem que dialogue com o experimento cênico, e abandone por completo marcas e signos idealizados para a abortada montagem teatral.

É inegável que a experiência proposta pelo espetáculo é válida, uma vez que ajuda o novo movimento digital a dar passos frente uma solidificação, com um número crescente de montagens com as mais variadas linguagens. Entretanto, o experimento sofre quando o grupo não consegue se desvencilhar da linguagem pensada para a montagem que nunca aconteceu.

Portanto, sem essa clareza, Uma Cena de Amor para Francis Bacon se ressente da falta de uma linguagem melhor delineada e, principalmente, de uma direção que dê um norte para seu elenco e saiba podar excessos que, no fim das contas, só enfraquece a montagem que, com estas irregularidades, já nasce anacrônica.

SERVIÇO:

Uma Cena de Amor para Francis Bacon

Data: 30 de junho a 15 de agosto (terças, quintas e sábados)

Local: Zoom

Horário: 20h

Preço do ingresso: Contribuição Consciente

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