Boa direção e bom elenco não dissipam dramaturgia irregular e narrativa pueril de Terremotos

Terremotos | Foto: Priscila Prade

Dramaturgo inglês que chegou ao Brasil trazido pelo cenário teatral paulistano com a montagem de Bull, título (inexplicavelmente) incensado em sua extensa obra, Mike Bartlett já teve algumas montagens realmente significativas de suas peças em palcos brasileiros, sendo a mais importante a produção de Love, Love, Love, do mineiro Grupo 3 de Teatro. Do autor, a companhia já havia montado, com menos expressão, Contrações, título que estabelece conexões com Bull, mas resulta mais azeitado.

Embora seja autor de espetáculos interessantíssimos, como o épico King Charles III e a adaptação da tragédia Medea, de Eurípedes (montada no Brasil em 2021 pelas mãos da Cia. do Sopro), Bartlett também é autor de obras menos expressivas, como Cock (encenada em 2021 sob a direção de Nelson Baskerville) e Terremotos, ora em cartaz no palco do Teatro do Sesi, na Avenida Paulista.

Escrita em 2010, quando as discussões acerca das mudanças climáticas ainda enfrentavam perguntas sem respostas e se mostravam menos claras do que na última década, Terremotos talvez fosse obra que estabelecesse conexões mais sólidas, não apenas com o vindouro caos climático, mas também – e principalmente – com a construção de suas personagens.

Entretanto, montada mais de uma década após sua primeira produção, a obra resulta essencialmente irregular. A encenação brasileira dirigida por Marco Antônio Pâmio, entretanto, tenta dissipar a impressão de que a montagem se trata apenas de uma produção alicerçada na grife criada em volta do nome do autor graças a montagens anteriores e vitoriosas.

Pâmio constrói uma encenação dinâmica com elenco numeroso, nos mesmos moldes de um grande musical. Não há atores perdidos em cena, nem tampouco figuras jogadas gratuitamente – embora, verdade seja dita, nem todos os talentos são devidamente aproveitados. 

São os casos da vencedora do Prêmio Bibi Ferreira Martha Meola, uma das grandes atrizes de sua geração que valoriza seus poucos momentos de destaque na montagem, e do vencedor do APCA Iuri Saraiva, que faz o que pode por sua personagem – uma representação do ataque mercado liberal frente às políticas ambientais.

Contudo, no todo, o (numeroso) elenco formado por nada menos do que 30 atores é bom e, a despeito de algumas oscilações, resulta uniforme. O trio de protagonistas formado por Virgínia Cavendish, Paloma Bernardi e Bruna Guerin rende bem em cena, ainda que o texto nem sempre esteja à altura de suas intérpretes.

A construção friccionada, marca da dramaturgia de Bartlett, soa demasiadamente repetitiva em Terremotos, o que pode abrir espaço para dois tipos de leitura: o desgaste da linguagem do inglês, ou o excesso de montagens de sua obra em curto espaço de tempo, o que escancara eventuais muletas dramatúrgicas que nem sempre surtem o efeito proposto.

É frágil, por exemplo, a narrativa que estabelece a quebra de relações entre Sara, a filha mais velha (Cavendish), e seu pai, o cientista climático Rubens Kramer (Luiz Guilherme, ótimo em cena), ou mesmo as dúvidas de Maya, a filha do meio (Paloma Bernardi, em um de seus melhores desempenhos no palco), em relação à maternidade e seu casamento com a personagem de Giovani Tozzi. 

A narrativa idílica do surgimento de uma messias em prol da natureza resulta menos sedutora do que faz supor, muito pelos excessos da dramaturgia, muito pelo desempenho de Angélica Prieto, que rende menos que seus colegas.

Na pele de uma Ministra do Meio Ambiente que perde sua origem como ativista ambiental, Virgínia Cavendish faz o que pode, mas sua personagem nem sempre é valorizada pelo material base, assim como Bruna Guerin, que pouco tem a fazer pela jovem Yasmin, que busca atingir a irmã mais velha por meio de atos rebeldes.

Com cenografia assinada por Duda Arruk com base no videomapping da dupla Um Cafofo (André Grynwask e Pri Argoud) e figurinos de Fábio Namatame, Terremotos constrói em sua ficha técnica uma excelente cama para seu elenco, que brilha principalmente pela direção de movimento precisa de Marco Aurélio Nunes. 

O ótimo desenho de luz de Wagner Antônio e o design de som de Gregory Slivar fazem parte do trabalho hercúleo de tentar dissipar as irregularidades de Terremotos, ainda que, no fim das contas, a montagem resulte essencialmente cansativa e repetitiva em uma narrativa que jamais diz a que veio. É a prova de que a grife de um espetáculo internacional nem sempre está à altura de uma ficha técnica de peso.

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