Cássia Kiss dribla irregularidades pontuais e eleva obra de Manoel de Barros ao sublime

Meu Quintal é Maio que o Mundo - Foto: Divulgação

Atriz de registro intenso e vasta carreira marcada por personagens densos com complexidade psicológica marcantes, Cássia Kiss surpreendeu ao quebrar seu jejum de uma década longe dos palcos em 2019 encenando a leveza marota da obra de Manoel de Barros (1916-2014), poeta mato-grossense cuja vida ganha o corpo e  voz da intérprete em Meu Quintal é Maior do que o Mundo, solo baseado nos textos autobiográficos de Memórias Inventadas, primeiro livro de prosa do autor, publicado em 2005.

Na obra, Barros narra suas aventuras e descobertas ainda criança, e toda a passagem da vida até o que acreditava ser seu momento derradeiro, quando prestes a completar 80 anos de idade. É com pleno domínio desta obra e também das ideias do autor, que Cássia Kiss volta encenar o espetáculo,em cartaz desde 10 de janeiro no Teatro D, no Itaim Bibi, na mesma São Paulo em que estreou em fevereiro de 2019, e retorna quase um ano depois.

Maturado pela estrada, o solo ganha novas matizes, seja na interpretação cada vez mais delicada e econômica da atriz, seja pela direção precisa e poética de Ulysses Cruz, neste que se sobressaiu como um de seus melhores trabalhos em cena. O diretor irmana com rara beleza a intensidade do registro cênico de Kiss com a ternura leve dos registros de Barros, causando imediata conexão com o público.

A proposta do diretor e da atriz torna o espetáculo um veículo de fácil comunicação, deixando que o público assimile sem dificuldades as sentenças poéticas propostas tanto pela interpretação da atriz, quanto pela (excelente) cenografia, assinada pelo próprio Ulysses Cruz, e pela trilha executada ao vivo por Gilberto Rodrigues, que estabelece bonito jogo cênico com a intérprete.

É verdade, contudo, que, a despeito da excelência artística de Meu Quintal é Maior que o Mundo, muito se perde do espetáculo graças à irregular disposição da plateia proposta pelo Teatro D. É possível deixar passar, por exemplo, toda a belíssima cena final capitaneada pelas folhas, que formam ao redor de Kiss um verdadeiro mosaico sobre a fase outonal da vida humana. É bonito, porém prejudicado, também, por um palco excessivamente baixo.

O mesmo se pode dizer da excelente luz de Nicolas Caratori, que, da plateia do Teatro D, surge com menos potência e arrebatamento. Embora ressoe como fator menor, a disposição do teatro impede que Meu Quintal é Maior do que o Mundo ressurja na cena paulistana com todo o potencial poético e cênico que o sagrou um dos melhores espetáculos de 2019.

Contudo, é impossível negar também que, somadas, as forças de Ulysses Cruz e Cássia Kiss, validam a encenação deste solo biográfico ao atingir o sublime estado de poesia da primeira e única obra em prosa de Manoel de Barros, poeta traduzido a perfeição neste glorioso retorno aos palcos de Cássia Kiss, atriz tão boa quanto (inexplicavelmente) bissexta na cena teatral.

SERVIÇO:

Data: 10 de janeiro a 09 de fevereiro (sexta-feira a domingo)

Local: Teatro D. – São Paulo (SP)

Endereço: R. João Cachoeira, 899 – Itaim Bibi

Horário: 21h (sextas e sábados); 19h (domingos)

Preço do ingresso: R$ 45,00 (meia)  R 90,00 (inteira)

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