Direção musical minimiza irregularidades que prejudicam a força de As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão

As Cangaceiras - Guerreiras do Sertão | Foto: Priscila Prade

Dramaturgo de produção constante, Newton Moreno construiu uma obra baseada, principalmente, no estudo da cultura nordestina e sua dramaturgia, dando vazão a textos de delicadeza poética, como Agreste, As Centenárias e a bonita comédia Maria do Caritó. Em sua primeira incursão pelo teatro musical, o dramaturgo se aprofunda mais nesse universo para criar As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão, musical ora em cartaz no Teatro do Sesi, na Av. Paulista. 

Na obra, Moreno busca analisar as causas que levam as mulheres ao cangaço e suas vidas neste mundo. Dosando a veia poética que marcou seus trabalhos anteriores, o autor constrói uma trama na qual entrelaça histórias de mulheres através do drama Serena, que, ao descobrir que seu filho dado como morto está vivo, foge do cangaço a sua procura. 

No caminho, ajuda e encontra mulheres sensíveis a sua dor, que a acompanham na jornada. O texto busca injetar algumas doses de aventura e humor, enquanto analisa, de maneira fria, o movimento reconhecidamente feminista e reativo das mulheres do sertão. 

Na pele de Serena, Amanda Acosta volta a comprovar sua excelência tanto como atriz quanto como cantora, entregando uma construção de tons fortes e uma caracterização que evita o maniqueísmo e o simplismo caricatural. Pelo mesmo caminho vai Vera Zimmerman, grata surpresa dessa montagem. 

Figura bissexa nos palcos, Zimmerman da vida a ex-prostituta Deodata em interpretação vigorosa. Confiante, a atriz constrói uma figura dura com um humor involuntário que conquista o público de cara, dando a atriz confiança para passar por cima de qualquer limitação vocal e brilhar em seu solo, resultando num de seus melhores trabalhos. As atrizes, contudo, são destaques em um elenco, em suma, irregular. 

Na pele da cangaceira Zaroia, Carol Badra busca um lugar de alívio cômico que soa excessivo e desagua numa caricatura simplista. Mesmo em momentos de maior tensão, a atriz não aproveita o jogo cênico que pode construir com suas companheiras, e busca incansavelmente o riso da plateia, prejudicando uma das personagens mais interessantes da trama. 

Interpretando a soturna Viúva, Luciana Lyra, por sua vez, parece pouco à vontade na pele da mulher que entrou para o cangaço para vingar sua família e acabou jurada após a morte de seu companheiro. A atriz aposta em uma interpretação sem muitas nuances, repleta de expressões que a deixam à beira de um maniqueísmo que empobrece a personagem. 

Já Rebeca Jamir, interpretando a inocente Mocinha, entrega um bom desempenho, que, apesar das dificuldades, impede que a personagem caia no lugar comum da jovem heroína em busca de seu príncipe, que costuma enfraquecer qualquer montagem. 

Contudo, apesar dos pesares, o elenco feminino (composto ainda por Carol Costa e Badu Morais) de As Cangaceiras – Guerreiras do Sertãoencontra certa unidade que, já próximo ao fim, quando se propõe a um (falso) desfecho edificante, chega a emocionar. O mesmo não se pode dizer, contudo, da parcela masculina do elenco. A construção pensada pelo grupo de seis atores beira (ou atinge) a caricatura, caindo, mais uma vez, na armadilha do riso a todo o custo. 

Se Pedro Arrais entende que essa é a sina de sua personagem – o canastrão Volante que se diz responsável pela morte de Lampião – e aproveite bem suas cenas, falta a Marco França o mesmo entendimento. O ator constrói um vilão (Taturano) que não convence, e deixa a desejar em cenas de maior tensão dramática. Mesmo suas canções – a serviço de sua voz tamanha – soam opacas. 

O mesmo se pode dizer de Milton Filho que, atingindo o ápice da construção caricata, evoca um humor pastelão que não contribui em nada para a construção da personagem, ou para o desenvolvimento da história. Se Eduardo Leão pouco tem a fazer em cena, Marcello Boffa perde a chance de fazer de seu Meialua o verdadeiro vilão da história ao tentar desposar a própria filha, apelando para uma interpretação irregular e pouco convincente. 

Por fim, Jessé Scarpellini, segue o mesmo registro de todos os seus trabalhos anteriores. Sem se aventurar em composições diferentes, repete tiques vistos desde A Madrinha Embriagada (2013) sem, de fato, cativar. De forma geral, faltou ao elenco a mão de um diretor que podasse excessos e lhes desse um norte para aproveitar melhor suas personagens – a exemplo de Zimmerman e Acosta. 

Com uma visão excessivamente branda acerca do texto de Newton Moreno, Sergio Módena, alicerça sua encenação nas tintas de uma comédia sertaneja feita com ares de caricatura. Modena desperdiça boa parte da tensão dramática, construindo um espetáculo que ficaria sempre no meio do caminho não fosse a excelente direção musical de Fernanda Maia. 

Autora, ao lado de Moreno, das canções que compõem o espetáculo, Maia não se priva de fundir sons e ritmos originários do sertão com uma pulsação que referencia o rock, com uma banda alicerçada pela bateria de Abner Paul e os violoncelos de Roberta Regina e Felipe Parisi. 

É a direção de Maia que garante a derradeira catarse, que leva o público ao delírio já no fim do espetáculo. Com canção e letra indissociáveis dos tempos políticos contemporâneos, Maia consegue que a plateia embarque num final catártico, encerrando o espetáculo em uma temperatura alta que, irmanada a bela luz pensada por Domingos Quintiliano, encandeia a força cênica do musical, driblando não apenas os erros da direção, mas também o cenário opaco pensado por Marcio Medina. 

Enfim, a despeito das irregulares que permeiam As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão, o espetáculo tem um saldo positivo que vale ser conferido pela excelente comunhão entre texto, boas atrizes e direção musical, mesmo que fique no meio do caminho. 

SERVIÇO: 
As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão 
Data: 25 de abril a 04 de agosto (quinta a domingo) 
Local: Teatro do Sesi – São Paulo (SP) 
Endereço: Av. Paulista, 1313 
Horário: 20h (quinta a sábado); 19h (domingo) 
Preço do ingresso: Grátis

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