Driblando obviedades, Olhares de Perfil conserva relevância e frescor poético frente ao contemporâneo

Embate cênico entre Roberto Cordovani e Ruben Gabira é ponto alto em Olhares de Perfil | Foto: Marisa Pereirinha

Desde que estreou em março de 1987 na cidade da Galícia, na Espanha, Olhares de Perfil – O Mito Greta Garbo já ganhou sucessivas montagens, todas dirigidas e estreladas pelo mesmo Roberto Cordovani, co-autor do texto ao lado de Alejandra Guibert. Seria, portanto, sintomático que quase 35 anos após sua primeira apresentação, a obra apresentasse inevitáveis sinais de desgaste, ou até soasse datada.

Contudo, o espetáculo que chegou ao palco do Teatro Commune, em São Paulo, em 31 de julho, guarda o frescor de uma obra que, se não soa inédita – uma vez que a dramaturgia de Cordovani e Guibert guarda signos e estruturas de um teatro (infelizmente) abandonado pelos movimentos contemporâneos -, resulta permanentemente sedutora.

Fugindo do óbvio, o espetáculo não busca narrar a vida ou a trajetória de Greta Garbo (1905-1990), um dos nomes mais emblemáticos da história do cinema clássico construído pela Hollywood do século XX, mas sim expor os efeitos de sua figura mitológica frente a figuras do underground artístico de uma Nova York ambientada na década de 1940.

Narrando a história de uma relação mal resolvida entre Gustaffson, um ator que dá vida à Garbo num espetáculo do circuito off-Broadway, e as figuras a seu entorno (o fotógrafo Jorge e a escritora Jane Suset, autora dos textos que fala em cena), Olhares de Perfil mergulha no universo marginal de figuras em busca da pura sobrevivência (seja ela por meios monetários, seja por meio da mendicância por afeto).

Na pele de Gustavson, Cordovani preserva a força e a intensidade de uma personagem construída com base no olhar. Enfileirando nuances, o ator mergulha em diálogo de tom poético com a plateia, que, à medida que a encenação se desenvolve, assume registros trágicos.

Enquanto dramaturgo, Cordovani triunfa ao não fazer de Olhares de Perfil um espetáculo de assimilação imediata. O artista trabalha com a palavra no tempo de uma delicadeza cênica, que sugere o retrato de figuras que bailam entre a sedução erótica e o jogo desesperado em busca de redenção. São essas características que mantém a obra a pleno vapor cênico. Mérito também da direção que, com poucos recursos, constrói cenários e ambientações valorizadas pelo (ótimo) desenho de luz, também assinado pelo artista.

O envolvimento que estabelece com seus companheiros de cena potencializa não apenas a linguagem, mas também – e principalmente – o sedutor jogo dramático, desenvolvido em sua totalidade quando Ruben Gabira, na pele de Suset, entra em cena.

O ator, que já havia se comprovado um dos melhores de sua geração dentro do cenário dos grandes musicais, atinge novo patamar, seja na pele do Manequim, uma espécie de projeção da vida do Gustaffson de Cordovani, seja na pele de Jane Suset, quando trava excelente batalha cênica com seu colega.

Gabira constrói uma personagem delicada, com gestos e nuances que o livram do estigma de ser um homem (tra)vestido de mulher. O ator constrói a personagem sem pudores, mas com exatidão sem jamais pesar o registro.

Na pele do sedutor fotógrafo Jorge, Alan Ferreira, se não emana a potência de seus colegas, encontra caminhos pouco óbvios para encenar o jogo erótico sem jamais apelar para chavões. O ator alicerça sua personagem em registro tão dramático quanto bufão, valorizando sua (forte) presença cênica.

Ainda que não seja necessariamente valorizado pelo espaço do Teatro Commune, Olhares de Perfil – O Mito Greta Garbo é obra de tom elegante que, no tempo da delicadeza dramatúrgica, ergue pontes entre a plateia e a história à primeira vista nem sempre acessível para não iniciados no universo do showbiz, mas, em análise menos superficial, se mantém obra relevante frente às misérias da alma humana.

SERVIÇO:

Data: 31 de julho a 17 de outubro (sábados e domingos)

Local: Teatro Commune – São Paulo (SP)

Endereço: Rua da Consolação, 1218

Horário: 20h (sábados); 19h (domingos)

Preço do Ingresso: R$ 30,00 (meia) a R$ 60,00 (inteira)

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