Estética absurda valoriza excelente montagem de clássico espanhol em adaptação que estabelece conexões contemporâneas

O Arquiteto e o Imperador da Assíria | Foto: Bob Souza

Em 1967, o dramaturgo espanhol Fernando Arrabal mergulhou na estética e no conceito do absurdo para fazer emergir no oceano teatral O Arquiteto e o Imperador da Assíria, considerada uma de suas principais obras e a que conta com maior número de montagens ao redor do mundo.

No Brasil, a obra ganhou montagem histórica em 1970, quando José Wilker (1944-2014) e Rubens Corrêa (1931-1996) assumiram os papéis de Arquiteto e de Imperador, respectivamente, na encenação assinada por Ivan de Albuquerque (1932-2001), nesta que ficou marcada como uma das principais produções anti-autoritarismo montadas nos anos mais duros da repressão militar.

Outras dezenas de montagens chegaram aos palcos tupiniquins ao redor do país, sendo a última – de cobertura relevante – encenada em 2018 com resultado irregular sob a direção de Léo Stefanini.

A obra agora ganha aquela que pode ser considerada sua versão definitiva nesta década. Dirigida (e adaptada) por César Ribeiro, a montagem, ora em cartaz na Sala Jardel Filho do Centro Cultural São Paulo, aprofunda com ênfase às discussões propostas pelo texto de Arrabal e eleva o conceito absurdo ao cenário, o figurino, ao visagismo e ao desenho de luz.

Adiada devido a pandemia do Coronavírus, a montagem chegou ao palco do CCSP neste ano de 2021 potencializada não apenas pelo cenário de crise sanitária e política, mas pelo panorama teatral contemporâneo, em que se estabelece como um dos principais espetáculos em cartaz na cidade, e também um dos mais contundentes a analisar o autoritarismo de acordo com o painel sócio-político estabelecido.

A encenação de Ribeiro não apenas se impõe pela beleza plástica, mas pela excelente adaptação, que intensifica a discussão acerca do autoritarismo e combate a afirmação clássica e marxista sobre oprimido e opressor e os papéis que se invertem. O diretor peita a decisão de não inverter papéis a fim de sublinhar a contundência da obra e do recado estabelecido em O Arquiteto e o Imperador da Assíria.

Em cena, Eric Lenate e Hélio Cícero dão vida às duas personagens clássicas (o arquiteto e o imperador, respectivamente) em interpretações que aprofundam a estética absurda, e retiram o espectador do papel de plateia para que se envolva na obra a medida que os atores desenvolvem suas histórias.

Febril, Lenate angaria mais um grande momento em cena. O ator já havia se comprovado um dos principais de sua geração ao dar vida ao bailarino russo Vaslav Nijinsky (1889-1950) no excelente solo Testemunho Líquido, de 2019. Em O Arquiteto e o Imperador da Assíria, o ator não apenas dá passo adiante na investigação do corpo como dramaturgia, como também faz desta uma das performances mais impactantes da temporada.

Hélio Cícero, por sua vez, tem, à primeira vista, material menos sólido para trabalhar na pele do Imperador, entretanto, não fosse o artista figura rara na imersão de suas personagens, a obra talvez perdesse força. O ator joga de igual com Lenate, e alicerça sua construção em registro clownesco, criando identificação imediata com a plateia.

Mérito do ótimo trabalho desenvolvido por Inês Aranha, responsável pela preparação dos atores, e que estabelece diálogo direto entre a dramaturgia do corpo do elenco e o registro exigido, por exemplo, em clássicos da comédia dell’arte e da obra do italiano Dario Fo (1926-2016). Tudo funciona como uma coreografia compassada, sem jamais perder a naturalidade orgânica.

Não há pontos baixos na obra de pouco mais de uma hora e meia. A montagem tem ritmo alucinante, e não perde a cadência, nem mesmo com o intervalo – necessário para que haja um respiro da produção e a troca da contrarregragem – que poderia resultar anticlimático à medida que a obra se desenvolve.

A cenografia pensada por J.C Serroni dialoga com rara fluência tanto com os figurinos de Telumi Hellen quanto com o (excelente) visagismo de Louise Helène. O desenho de luz de Aline Santini segue pelo mesmo caminho ao criar atmosfera cinematográfica – sublinhada pela ótima trilha formada por pérolas pescadas por Ribeiro no baú das trilhas do cinema internacional.

Se impondo como um dos principais espetáculos da temporada, O Arquiteto e o Imperador da Assíria é obra que desafia as convenções do teatro de absurdo convencional, mesclando linguagens e referências sem jamais excluir o público. No jogo que existe em cena, o espectador é convidado a todo momento a jogar. E joga bem.

SERVIÇO:

Data: 24 de setembro a 24 de outubro (sexta-feira a domingo)

Local: Centro Cultural São Paulo, Sala Jardel Filho – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso

Horário: 20h (sextas e sábados); 19h (domingos)

Preço do ingresso: R$ 10,00 (meia) a R$ 20,00 (inteira)

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