Fluente, sátira política de Peixe Fora D’Água é sustentada por ótimo timing de Giovani Tozi

Peixe Fora D'Água | Foto: Priscila Prade

Gênero atemporal que ganhou forte adesão da massa teatral a partir dos anos de chumbo da Ditadura Civil-Militar (1964-1986), a sátira política sempre esteve na veia da dramaturgia brasileira, e, com o fim do período ditatorial, se esvaiu, gerando nos últimos anos comédias rasteiras e peças de acento panfletário.

A excessão de Michel III – Uma Farsa à Brasileira (2018), grande espetáculo de Fábio Brandi Torres sob a direção de Marcelo Várzea, o gênero ensaiou uma retomada a partir de 2019, após a eleição de Jair Messias Bolsonaro à presidência da República e se intensificou com a catástrofe política, filha da condução incompetente da luta contra a pandemia do Coronavírus.

A partir de então, uma série de obras de teor político ganharam os palcos e – posteriormente – a rede. Com discursos de ordem e construções óbvias, as obras em sua maioria pecavam em pontos primordiais ao tentar estabelecer discursos de crítica política: se levaram muito a sério.

Que pesem grandes obras contemporâneas, como Os Grandes Vulcões (2021), do Coletivo Comum, os espetáculos de teor crítico político têm caído na armadilha alertada por Harold Pinter (1930-2008) e mergulhado no sermão sem a objetividade e sem dar ao público a liberdade de internalizar as visões e aspectos que transformam a dramaturgia em crítica.

E é nesta onda que surfa Peixe Fora D’Água, experimento cênico digital que chegou ao universo online na última sexta-feira, 30. Protagonizada por Giovani Tozi, a obra põe em cena um homem confinado em um bunker construído para proteger uma pequena parcela da elite brasileira de um vírus mortal. Com um último cilindro de oxigênio restante, o homem grava um depoimento para a posteridade enquanto espera a porta se abrir.

Escrita e dirigida por Marcello Airoldi a partir de experimento cênico digital desenvolvido por Giovani Tozi, a obra mergulha com precisão na sátira política sem jamais se levar a sério ou estabelecer discursos de ordem. O texto de Airoldi é cômico e fluente e, se não propõe grandes inovações estilísticas, tampouco subestima o público, que encontra na figura de Tozi um condutor agradável para a narrativa.

Carismático, o ator constrói personagem inspirada em figuras clássicas do universo de uma elite paulistana quatrocentona. O artista opta por um registro bufão sem modulações ou grandes viradas. Fosse Tozi ator menos experiente, a opção poderia comprometer o resultado final. Entretanto, a condução da narrativa resulta magnética e estabelece comunicação fluida com o público.

A encenação de Airoldi é inteligente e estrutura o solo unicamente na performance do ator, sem buscar estripulias digitais para injetar um falso dinamismo. O diretor confia na precisão de seu elenco e da força de comunicação do texto, fazendo com que a encenação, de menos de uma hora, resulte numa comédia agradável, ainda que sem grandes arroubos cômicos.

Entretanto, se não triunfa pela comicidade, o espetáculo cresce graças à excelente ficha técnica, que propõe diálogo preciso entre o visagismo de Louise Helène e o figurino de Fábio Namatame, e aposta em ambiente construído pelo desenho de luz discreto de César Pivetti,  num de seus trabalhos mais interessantes.

Em cartaz até o dia 09 de maio, Peixe Fora D’Água é sátira política que foge ao óbvio mirando outros alvos, e ampliando a discussão sobre a formação política de uma sociedade, e a influência do elitismo e do setor empresarial. Alicerçada na interpretação precisa de Giovani Tozi, a obra cumpre o papel de estabelecer diálogo crítico sem jamais impor discursos pueris ou nivelar a discussão por baixo, abrindo chances de ampliação para um futuro próximo.

SERVIÇO:

Data: 30 de abril a 09 de maio (sexta-feira a domingo)

Local: Espaço Cultural Bricabraque

Transmitido através do canal oficial no YouTube

Horário: 20h

Preço do ingresso: Grátis

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