Marat Descartes dá passo adiante em investigações digitais com híbrido entre autobiografia e análise social

Peça - Foto: Gabi Brites

Quando a pandemia do novo Coronavírus congelou o mercado cultural, fechando teatros, casas de shows e outros espaços culturais, Marat Descartes estava às voltas com a formulação do que viria a ser Peça, espetáculo multimídia no qual pretendia costurar sua vida e percepções sociais à vida e percepções do poeta, escultor e poeta francês Marcel Duchamp.

Não fosse a decisiva colaboração do artista multimídia Nuno Ramos, que compreendeu que a figura do artista francês nada mais era senão um artifício cênico para que Decartes pusesse suas ideias à prova, talvez Peça fosse obra menos potente do que de fato é.

Concebida como experimento cênico online, Peça joga Marat Descartes no universo do teatro digital e resulta como interessante ensaio sobre os questionamentos de um homem frente o mundo contemporâneo. Temas como a tecnologia, o cenário sócio-político ao redor do mundo e a violência são costurados à vida do ator, que os traduz em percepções sobre seu ofício e seu papel social enquanto homem e pai em uma encenação mais complexa do que deixa transparecer o prólogo apresentado em linguagem até conservadora se levada em conta as possibilidades que o teatro digital tem injetado nos experimentos cênicos – híbridos entre teatro e audiovisual.

O ator vai ao cerne das questões sociais ao evocar a filosofia do francês René Descartes (1596-1650) e a ideologia política de Jean-Paul Marat (1743-1793) – figuras que inspiraram o nome de batismo deste ator e diretor paulistano -, além de, sob a direção de Janaína Leite, promover profunda investigação sobre a linguagem do teatro digital em encenação que  flerta com certa constância com o cinema, sem jamais se deixar levar pela linguagem audiovisual.

Peça, contudo, se ressente da falta de uma dramaturgia mais sólida. O texto assinado por Descartes ressoa frágil e acaba suplantado pela encenação de Leite, que deixa clara assinatura que pautou suas obras anteriores, como Conversas com meu Pai (2014) e o consagrador Stabat Mater (2019), que lhe garantiu um Prêmio Shell de dramaturgia e a vaga de Pesquisadora em Foco na edição 2020 da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITSP).

O espetáculo, inclusive, cambaleia já próximo ao final com conceitos que, embora bem elaborados, resultam excessivos – a despeito da excelente luz assinada por Marisa Bentivegna. Já nas últimas cenas, Peça retorna aos trilhos em bonito retrato familiar que, fosse Descartes artista menos experiente, poderia soar como mera armadilha que aciona memórias afetivas. Artimanha fácil. Mas, no fim, resulta tocante como desfecho de peça bem construída.

A despeito de irregularidades desculpáveis por se tratar de (bem-vinda) pesquisa de linguagem, Peça é, dos espetáculos em cartaz dentro da proposta do novo teatro digital, o que melhor soube como caminhar e explorar as possibilidades do formato e dá passo adiante nesta seara online.

SERVIÇO:

Peça

Data:20 de junho a 31 de julho (quinta-feira a domingo)

Local: Youtube/corporastreado

Horário: 21h

Preço do ingresso: Grátis

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