Mesmo pecando pelo excesso, O Último Concerto para Vivaldi leva Dan Rosseto ao ápice dramático

O Último Concerto para Vivaldi | Foto: Félix Graça

Diretor e dramaturgo que, desde 2014, quando deu ponta-pé inicial na construção de obra autoral como autor e encenador, vem produzindo de forma ativa e constante, Dan Rosseto atingiu o ápice de sua trajetória como diretor ao pôr em cena Enquanto as Crianças Dormem, anti-musical no qual passou por seu filtro sardônico e mordaz os preceitos das grandes produções da Broadway.

A obra, que lhe rendeu um Prêmio Aplauso e causou a antipatia da elite cultural, foi o ponto de partida para uma série de grandes encenações, que atingiram o sucesso popular com a comédia dramática Nunca Fomos tão Felizes, retrato mordaz e satírico das relações matrimoniais e de poder, na qual o dramaturgo Rosseto bebeu da fonte sardônica das obras de artistas como Nicky Silver e Edward Albee (1928-2016).

De lá pra cá, o artista dividiu seu tempo entre encenações que nem sempre fizeram jus a seu talento como diretor, e a textos que tampouco davam passo adiante nas investigações do dramaturgo. Isso até agora. 

Em O Último Concerto para Vivaldi, obra que encerrou temporada no último domingo, 27, no palco do Viga Espaço Cênico, em São Paulo, Rosseto atinge o ápice da maturação como dramaturgo em história que redefine seus próprios conceitos sobre o amor e a morte – temas recorrentes em suas criações.

Narrando a história do professor universitário Anton e do violinista clássico Ben, um casal que vive juntos há 11 anos e agora precisa lidar com a doença irreversível que acomete o músico. A dupla então transforma o apartamento em um quarto de hospital para maximizar o tempo que passam juntos, contando com o auxílio de uma enfermeira, a muçulmana Adilah.

Formatado como um drama clássico, O Último Concerto para Vivaldi não guarda o tom revolucionário de Enquanto as Crianças Dormem, nem tampouco busca investigar uma linguagem, como Diga que Você já me Esqueceu, entretanto se sobressai como título importante por apresentar um dos trabalhos mais poéticos da carreira de Rosseto, expondo uma fragilidade que põe o dramaturgo em diálogo direto com o público.

A obra é fluente ao versar sobre temas como o amor, o companheirismo e todas as questões que cercam a homofobia (ainda que, invariavelmente, se deixe levar por tom professoral que nem sempre leva a obra à frente). Entretanto, o autor amarra com sensibilidade as histórias das personagens sem jamais deixar que o espetáculo se desenvolva como mero melodrama.

Alicerçado no drama sem concessões, O Último Concerto para Vivaldi atinge  ápice da delicadeza ao abrir espaço, principalmente, para a troca de seu elenco. Bruno Perillo e Michael Waisman constrói bonito jogo cênico, que se balança entre a troca de amor, afeto e carinho e a disputa de poder.

Perillo cresce principalmente ao emular o luto precoce de Anton pela partida de seu companheiro. O ator se sai bem principalmente em bonita cena final, que evita qualquer muleta dramática para tocar o público – e, ainda assim, toca.

Já Waisman angaria bom trabalho corporal ao pavimentar estrada de deterioração física de sua personagem. Seu Ben ressoa carismático e tem boas cenas de embate com a personagem de Perillo.

Contudo, o destaque da encenação é Amazyles de Almeida na pele da enfermeira Adilah. A personagem é construída no tempo da delicadeza, em composição alicerçada na excelente técnica da atriz, mas desaguada em pura emoção. Amazyles brilha em cena, seja angariando os melhores momentos de graça – reservando para si o alívio cômico da obra.

No entanto, ainda que sua personagem tenha boas passagens cômicas, é a delicadeza da atriz que faz com que Adilah se transforme numa espécie de protagonista da obra. Mérito da excelente atriz (presença inexplicavelmente quase bissexta nos últimos anos nos palcos paulistanos), que faz deste um de seus melhores trabalhos em cena.

Encenado como uma partitura, O Último Concerto para Vivaldi é obra que triunfa por seu caráter intenso, atenuado com alguma delicadeza (exposta na excelente luz desenhada por César Pivetti, no figurino de Thaís Boneville e no bonito cenário assinado pelo diretor em parceria com a figurinista e o produtor Fábio Câmara).

O drama, entretanto, peca pelo excesso. Ao longo de uma hora e quarenta minutos, Rosseto busca construir cenas calcadas na obra do músico italiano Antonio Lucio Vivaldi (1678-1741), que resultam fora do tom e parecem impedir que o espetáculo atinja o ápice que a dramaturgia propõe.

É verdade que, detalhe pequeno, a duração excessiva da obra não empana o brilho do espetáculo, mas também impede que condense em narrativa mais enxuta toda a beleza e potencialidade de O Último Concerto para Vivaldi, símbolo da maturação dramatúrgica de Dan Rosseto que aponta a importância do dramaturgo dentro do cenário teatral paulistano.

SERVIÇO

Este espetáculo está fora de cartaz

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