Montagem brasileira sublinha anacronismo de musical prejudicado pelo tempo e superficialidade

Elenco da versão brasileira de Naked Boys Singing | Foto: Caio Gallucci

Quando estreou no Off-Broadway em meados de 1998, o vaudeville Naked Boys Singing compôs uma série de espetáculos que, à época, se sobressaíram como grito de mudança de costumes frente a uma enxurrada preconceituosa que acompanhou a escalada do vírus do HIV e uma mudança social e econômica frente à vida da classe média norte americano.

Voltados às minorias, espetáculos – que tiveram como principal representante o mergasucesso Rent – reanimavam o espírito revolucionário que tomou conta dos Estados Unidos em meados do final da década de 1960, quando Hair abalou as estruturas do teatro musical americano prestando um tributo ao ideal do sexo, das drogas, do rock and roll e da paz frentr ao embate do então presidente Lyndon Johnson (1908-1973) contra o Vietnã. 

E foi com esse espírito libertário e libertador que o espetáculo, escrito por Robert Schrock, se tornou hit instantâneo da temporada, angariando o título de segundo espetáculo mais longevo do circuito Off-Broadway, e se sobressaindo como sucesso de público, ao arrastar centenas de jovens para acompanhar a performance de atores nus interpretando 15 canções que, a princípio, propunham uma análise bem humorada sobre a vida de pessoas homossexuais na grande metrópole.

Ainda que estruturado nos alicerces de um clássico vaudeville – enfileirando números musicais, a priori, desconexos entre si, para criar uma conexão ao final -, Naked Boys Singing se tornou hit cult muito menos pelo caráter contestador de sua dramaturgia musical, mas sim pela curiosidade que se mantém em torno da cultura mundial ao redor do corpo e, neste caso específico, do corpo masculino.

Ao chegar aos palcos, a obra de Schrock surfava na onda da liberdade sexual e da quebra de tabus pré-estabelecidos, entre eles a desmistificação do corpo masculino, a masturbação como ato natural, as relações livres, e, em menor escala, a inserção de homossexuais no esporte. Os temas se sobressaíram como quebras de tabus hegemônicos dentro do teatro (principalmente) norte americano.

Entretanto, ao propor o embate direto com as questões morais em musical embalado por linguagem cômica, Naked Boys Singing corria o risco de se tornar obra anacrônica, que se sustentaria ao longo dos anos simplesmente pela curiosidade de um elenco nu em cena. E é justamente este anacronismo que prejudica a montagem brasileira, ora em cartaz na Sala Paschoal Magno do Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.

Dirigida e versionada por Rodrigo Alfer, a montagem brasileira de Naked Boys Singing nunca mergulha para além do raso em questões que se propõe a discutir. Encenador talentoso responsável por um dos principais espetáculos da década passada, o infanto-juvenil O Príncipe (Des) Encantado (2017), Alfer não dilui a impressão de que a obra resulta como mero exercício movido pela curiosidade de ter em cena corpos nus (em sua maioria dentro do padrão que se propõe a criticar), sem levantar discussões profunda.

Diferente de espetáculos anteriores, como Ou Tudo ou Nada, ou a promessa da próxima temporada, O que Meu Corpo nu te Conta, Naked Boys Singing jamais extrapola a mera curiosidade do nu, fugindo a aprofundar estigmas como a padronização do corpo gay, ou o estabelecimento das relações afetivas. Tudo soa meramente superficial.

Contudo, ainda que a proposta se resumisse a reencenar obra arquitetada na estrutura cômica do vaudeville, Naked Boys Singing falha ao não estabelecer cenas que de fato cativem. Que pesem (boas) passagens como a de um ator pornô interiorano que narra sua chegada à grande metrópole, ou à ode satírica à masturbação, o grande catalisador da graça do espetáculo está em seu elenco nu – artimanha que, ao longo de uma hora e meia, perde seu encanto.

Justiça seja feita, contudo, a montagem brasileira lida com material base irregular. O tempo não só não fez bem à obra de Schrock, como escancarou o fato de não haver grandes canções em Naked Boys Singing (impressão sublinhada ainda pelas versões irregulares assinadas por Rafael Oliveira).

Carismático em sua maioria, o elenco formado por André Lau, Aquiles, João Hespanholeto, Luan Carvalho, Lucas Cordeiro, Raphael Mota, Ruan Rairo, Silvano Vieira, Victor Barreto e Tiago Prates (com Gabriel Fabri ao piano) estabelece boa conexão com o público, ainda que não amadureça cacoetes do jogo cênico, fazendo com que as personagens como um todo resultem estereotipadas e pouco cativantes.

É essa falta de amadurecimento da discussão cômica acerca do universo gay que faz com que a montagem – formada por esquetes que seriam boas em meados da década de 1990 – soem como uma repetição de fórmulas desgastadas. 

E, a bem da verdade, do desenho de luz (Gabriela Araújo) ao cenário e figurino (Daniele Desierrê), passando pela direção musical (Ettore Veríssimo), nada faz com que Naked Boys Singing estabeleça conexão com o que se propõe a discutir, resultando em obra irregular e rasa que, hoje, se sustenta pela curiosidade de um elenco masculino nu em cena em artifício que soou revolucionário há duas décadas, mas agora resulta anacrônico.

SERVIÇO:

Data: 16 de outubro a 19 de dezembro (sábados e domingos)

Local: Teatro Sérgio Cardoso (Sala Paschoal Magno) – São Paulo (SP)

Horário: 19h (sábado); 20h (domingo)

Preço do ingresso: R$ 20,00 (meia) a R$ 40,00 (inteira)

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