Orbitando em sua zona de conforto, Irene Ravache cativa ao apostar na despretensão

Alma Despejada | Foto: João Caldas

Quando trouxe seu monólogo O Que é Que Ele Tem? a São Paulo em julho de 2019, Louise Cardoso esbanjava despretensão num desempenho cênico que, embora não a desafiasse ou a pusesse em risco, cativava pelo tom de despretensão e pelo carisma que a atriz esbanja desde que começou sua estrelar carreira em meados da década de 1970.

Outras atrizes mais novas também aderiram a mesma fórmula com grande sucesso comercial, como Fernanda Souza, com seu solo biográfico Meu Passado não me Condena, que, a despeito da direção e do roteiro irregulares, conquistava pelo carisma da jovem atriz.

Alma Despejada, nova investida teatral de Irene Ravache cinco anos após a comédia Meu Deus, vai pelo mesmo caminho dos solos de suas colegas. Muito embora o texto de Andréa Bassitt seja mais ambicioso e melhor trabalhado que os exemplos anteriores, o monólogo dirigido por Elias Andreato se baseia quase exclusivamente na figura luminosa de Ravache, atriz que construiu carreira estelar, refletida nas plateias que vem lotando a temporada no Teatro Porto Seguro desde a estreia, em setembro.

Na pele de um espírito que visita a casa que morou ao longo de toda a sua vida, e agora está prestes a ser vendida, Ravache passeia sem medos ou receios pelo texto leve e descompromissado de Bassitt, que constrói uma personagem por si só simpática ao público, e que toma contornos ainda mais empáticos quando apoiado na figura da atriz.

Ao longo de pouco mais de uma hora, o monólogo passa a limpo a vida de uma figura bastante comum na contemporaneidade ao enlaçar sua trajetória com o desenrolar político do Brasil da década de 1960 em diante. Bassitt opta por não aprofundar discussões morais, traçando um paralelo bem alinhado entre a vida a personagem e a evolução do cenário político no Brasil.

A dramaturga narra a ascensão da classe C, o surgimento da classe média, o enriquecimento ilícito e, com graça, ameaça até uma crítica política que, embora resulte pueril, comunica o público que lotou o teatro para ver Irene Ravache narrar a vida de sua personagem. E é com pleno entendimento de seu papel que a atriz, bem sustentada pela direção delicada de Elias Andreato, dá à plateia o que ela procura.

Embora soe, em suma, um espetáculo trivial, é bonito ver em cena a plena comunhão entre público e atriz sob belíssima moldura criada pela luz de Hiram Ravache e pelo cenário simples, porém funcional, de Fábio Namatame (que também assina o figurino). Mesmo as referências mais datadas conversam e contrastam a simplicidade e a despretensão desta Alma Despejada, espetáculo que resulta melhor do que seu título pueril faz supor.

Embora esteja longe de ser o grande espetáculo que falta a Irene Ravache, longe das comédias românticas e de situação que veio angariando ao longo de sua carreira recente, Alma Despejada é boa obra de entressafra que mantém a grande atriz em cena da forma que seu público mais anseia vê-la: como uma confidente de suas lembranças, anseios e segredos numa encenação que a mantém cada vez mais próxima.

SERVIÇO:

Data: 18 de setembro a 28 de novembro (quartas e quintas)

Local: Teatro Porto Seguro – São Paulo (SP)

Endereço: Al. Barão de Piracicaba, 740 – Campos Elíseos

Horário: 21h

Preço do ingresso: R$ 30,00 (meia) a R$ 70,00 (inteira)

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