Prejudicado por registro irregular, Apátridas ainda mantém pulsante veia inconformada da Cia. Nova

Apátridas | Foto: Antônio Simas Barbosa

Quando surgiu há duas décadas, fruto da parceria entre o ator, diretor e produtor carioca Lenerson Polonini e a figurinista e atriz paulistana Carina Casuscelli, a Companhia Nova de Teatro se notabilizou em campo (inter)nacional por estabelecer relações entre o teatro épico e as mazelas sociais que assolam tanto o Brasil quanto o cenário internacional.

Unida a essa máxima de diálogo, o grupo incorporou estética high-tech, que alçou seus espetáculos ao pioneirismo da arte multimídia muito antes de a pandemia do Coronavírus transformar o ambiente virtual numa realidade inconteste dentro do cenário da cultura das artes.

Ainda que tenham navegado com sucesso por obras de autores como Edgar Allan Poe (1809-1849), Samuel Beckett (1906-1989), Gertrude Stein (1874-1946) e pelas ideias do psiquiatra e sexólogo ucraniano Wilhelm Reich (1897-1957), foi no mergulho acerca da vida e das políticas sociais que cercam a realidade de pessoas que migraram de forma legal ou não para outros países que a companhia encontrou terreno fértil tanto mercadológico quanto artístico.

Foram obras como Caminos Invisibles… La Partida, o internacional Kassandra-Hécuba e o clássico contemporâneo Barulho D’Água que elevaram a cotação da Companhia no cenário teatral por sua abordagem de fusão entre a linguagem épica e o discurso contemporâneo interligados por tecnologia multimídia que adiciona certo charme às narrativas.

É tendo em consciência do êxito deste cenário que soa estranho que, ao completar 20 anos de trajetória, a Companhia Nova tenha escolhido celebrar a efeméride com Apátridas, espetáculo em cartaz no palco do Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, zona leste da capital paulista, e que sai de cartaz neste domingo, 28.

Embora siga os passos de títulos anteriores, a obra resulta a menos excitante do repertório do grupo. É verdade que, em cena, a companhia reuniu bom elenco capaz de emular o desespero, sofrimento e a ira de figuras mitológicas transformadas em figuras sem pátria, párias sociais frente à geopolítica em crise nas últimas duas décadas no cenário ocidental.

O fato é que Apátridas é obra que resulta aquém do currículo do grupo, seja pelo texto nem sempre fluido assinado por Carina Casuscelli, seja pela direção de Polonini, que imprime a assinatura multimídia também nesta obra (ainda que com menos imponência), mas peca numa direção que resulta apenas linear.

O elenco formado por Isidro Sanene, Miguel Kalarary, Jacqueline Durans e pela própria Casuscelli entra em cena em personagens apresentados de forma quase maniqueísta, optando por registro único e acima do tom, o que faz com que a breve uma hora de experiência resulte excessivamente cansativa. 

Ainda que o cenário high-tech e o (ótimo) desenho de luz assinados por Armando Lira (vídeos) e Lenerson Polonini (luz e concepção espacial) valorizem a montagem, que cresce graças a trilha sonora épica orquestrada por Wilson Sukorski, faltou ao espetáculo um olhar de envolvimento e delicadeza com uma história que pode ser (e é) contada de forma raivosa através de dramaturgia que nunca está à altura de sua produção, mas que resulta monótona pela adoção de registro único de um bom grupo de atores que pode ir além.

Enfim, embora não seja o melhor trabalho da Companhia Nova de Teatro, nem esteja à altura de seus últimos trabalhos, Apátridas é obra que mantém vivo e pulsante a inconformidade de um grupo que usa o teatro como palanque para assuntos urgentes do mundo moderno sem jamais soar simplista ou panfletário.

SERVIÇO:

Data: 05 a 28 de novembro (sexta-feira a domingo)

Local: Teatro Arthur Azevedo – São Paulo (SP)

Endereço: Av. Paes de Barros, 955 – Mooca

Preço do ingresso: Grátis

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