Pueril, sátira política de Hell Center desperdiça boa dinâmica de encenação e elenco de peso

Hell Center | Foto: Divulgação

Em meados de 2020, quando a pandemia do Coronavírus já havia fechado salas de espetáculo e espaços culturais ao redor do mundo, produções ao redor do globo iniciaram um processo de reinvenção em busca da sobrevivência. Assim nasceu o movimento que no Brasil se habituou a chamar de teatro digital, com a transposição de obras teatrais para o ambiente virtual e a criação de espetáculos inéditos que apresentassem um híbrido entre as linguagens.

Nos Estados Unidos, companhias de teatro off-Broadway começaram a experimentar linguagens e possibilidades. A mais famosa foi Sleep no More, experimento cênico online que pretendia reinventar a clássica história da tragédia shakespeariana Macbeth, localizando sua ação em um hotel no qual o público poderia escolher quais histórias acompanhar ao longo de quase duas horas de encenações simultâneas.

Guardadas as devidas proporções é neste experimento que ganhou popularidade internacional que se baseia Hell Center, experimento cênico online orquestrado pelos roteiristas Rodrigo Boecker e Maurício Gyboski em parceria com a professora e estudiosa de teatro musical Luanna Barbosa.

A obra busca adaptar a proposta norte-americana à realidade do Brasil, narrando a história de um deputado que consegue a aprovação de uma lei que favorece diretamente uma empresa de Call Center, a Boi na Linha, usada para um esquema de lavagem de dinheiro. As coisas começam a sair do controle quando uma auditora de métodos pouco ortodoxos chega à empresa e acaba assassinada, levando a empresa a um clima de mistério no qual todos são suspeitos.

A dinâmica é relativamente bem aproveitada dentro da proposta da direção assinada por Boecker e Barbosa com a adesão de Janaina Medeiros. São expostas diferentes salas com transmissões simultâneas de monólogos e duos, além de um jogo de 14 atores numa sala emulando o clima caótico de um call center.

A despeito da premissa interessante, Hell Center resulta em sátia política pueril. Muito graças à direção, que extrai pouco de seus atores, muito graças (principalmente) ao roteiro assinado pelo trio idealizador do espetáculo.

O grupo tenta emular uma comédia crítica sobre os rumos da política nacional, mas acaba dando voltas em velhos chavões e clichês sem nenhuma ambição dramatúrgica de, de fato, apresentar alguma novidade, ou um olhar realmente crítico. Enquanto tenta emular críticas à ditadura, ao crescimento da extrema direita e, em algum ponto, à revolução de costumes que deságua em temas como o feminismo moderno e a desconstrução da masculinidade tóxica.

A obra persegue referências e alusões que, muito devido à dinâmica online, não funcionam. A mais problemática em termos de timing talvez seja a referência à icônica cena dividida entre Marília Pêra (1943-2015) e Giulia Gam na série O Primo Basílio, exibida pela Rede Globo em 1988. Não funciona.

O que realmente vale à pena em Hell Center é o desempenho de seu elenco que, embora prejudicado pelo teor pueril do texto e pela direção pouco envolvente, tenta a todo momento valorizar as ações de seus personagens. É tocante, por exemplo, assistir ao embate cênico entre figuras como Tuna Dwek e Andrea Dantas, atrizes que se sobressaem como destaque no elenco.

Dwek valoriza seus monólogos ainda que tenha pouco com o que trabalhar, imprimindo verdade e construindo uma personagem que baseia sua crueldade muito mais no olhar e no trabalho de corpo do que necessariamente no texto. Pelo mesmo caminho vai Andrea Dantas, que promove convincente transformação de sua personagem no (óbvio) desfecho da encenação.

Fefa Moreira e Thelmo Fernandes também protagonizam bonito duo ao falar sobre a construção de um relacionamento moderno, ainda que, uma vez mais, o texto não lhes dê exatamente muito material para trabalhar.

Talvez os mais prejudicados nesta seara sejam Anderson Müller e Cláudio Torres Gonzaga, dois grandes atores que, sem muitos caminhos para percorrer, optam pela construção baseada no estereótipo do político corrupto e bonachão, num registro que persegue incessantemente o humor, sem alcançá-lo.

A direção também pouco faz para dar a seus atores mais elementos para promover uma construção verossímil. Problema que se repete com todo o resto do elenco, que ressoa sem função à medida que o espetáculo avança e não têm desenvolvidas suas histórias para além de frases de pouco efeito.

Por fim, Hell Center é obra que, a despeito da boa premissa e de um elenco de peso, soa como obra desperdiçada dentro do universo online que busca sim por dinâmica e propostas inovadoras, mas também necessita de uma dramaturgia e uma direção que valorizem a inteligência e senso crítico do público.

SERVIÇO:

Hell Center

Data: 22 de fevereiro a 26 de abril (segundas-feiras)

Local: site oficial Hell Center

Horário: 20h30

Preço do ingresso: R$ 25,00 (meia) a R$ 50,00 (inteira)

Vendas via SYMPLA

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