Quarta noite de Cenas Curtas compila suas melhores cenas e levanta discussões sobre ansiedade, feminismo e regionalismo

Is This a Man | Foto: Glenio Campregher

A quarta e anti-penúltima noite do Festival Cenas Curtas se sobressaiu como sua melhor seleção desde sua abertura na terça-feira, 24. Ao olhar para o norte e o nordeste, a seleção do Festival trouxe cenas de grupos da Bahia (Preto Amparo e Clara Trocoli) e do Pará (Grupo Experimental de Teatro).

A noite não foi apenas a melhor, como também foi a mais longa, com entreatos maiores e cenas melhor desenvolvidas, tanto no quesito cenográfico quanto na dramaturgia e na direção. Especificamente nesta noite com três de quatro grupos naturais do norte e nordeste brasileiro, ganharam força discussões como a solidão, o feminismo e a cultura regional.

Com Preto Amparo analisando a ansiedade frente a inércia política de uma plateia em Endereço Postal, a abertura contou com teor intimista de pura reflexão, a despeito da cenografia grandiloquente. Por sua vez, os paraenses de Belém do Grupo Experimental de Teatro fizeram da sua cultura regional o mote para a (boa) cena que pecou apenas pela falta de comunicação direta com a plateia em Ecdise.

Com humor e leveza, a baiana Clara Trocoli revolveu demônios internos de uma personagem que busca a reflexão acerca do abuso e do perdão em Represa, enquanto as já clássicas Bacurinhas, grupo Mineiro remanescente no Festival, atingiram o ápice com a satírica Is This a Man?, encerrando a noite mais sólida do Festival desde sua estreia, e apontando para um páreo duro na concorrência das cenas que receberão a possibilidade de se desenvolver em espetáculo.

Confira abaixo a crítica de cada uma das cenas apresentadas na noite de 27 de setembro: 

Endereço Postal (Cotação: * * * ½)

Endereço Postal | Foto: Glenio Campregher
Endereço Postal | Foto: Glenio Campregher

Solo que traça profundo panorama acerca da ansiedade e da inabilidade política, Endereço Postal põe em cena um homem envolto em suas próprias internalidades tentando analisar a inércia de uma plateia frente a desmandos e problemas sociais. Preto Amparo encontra registro delicado que foge a qualquer inércia nesta cena que parece já o meio do caminho no desenvolvimento de um espetáculo completo.

Com linguagem friccionada, o ator presta bonito tributo ao fazer teatral ao botar o próprio teatro como elemento cênico. Envolto numa aura mezzo tropicalista (ao som de Porque é Proibido Pisar na Grama, de Jorge Ben Jor), Amparo se põe a prova numa das cenas de registro mais delicado apresentadas ao longo do Festival.

Ecdise (Cotação * * *)

Ecdise | Foto: Glenio Campregher
Ecdise | Foto: Glenio Campregher

Performance baseada em cânticos indígenas, Ecdise põe em cena a proposta do homem-animal enquanto caça e enquanto caçador, em influência direta a rapsódia Macunaíma, o clássico romance de Mário de Andrade que ganhou recentemente segunda adaptação cênica pelas mãos de Bia Lessa.

Ao injetar o regionalismo de sua cultura, os paraenses do Grupo Experimental de Teatro constróem verdadeira experiência cênica que desafia a plateia. Contudo, em meio ao desafio, o grupo peca no preceito básico da encenação teatral ao não exigir inteligência, mas sim cultura do público.

Numa crescente, o grupo expõe excelente trabalho corporal e vocal, e também esmiúça a linguagem que se pretende performática, mas, infelizmente, toma contornos ininteligíveis que prejudicam a comunicação, fazendo com que a mensagem de preservação soe apenas como mero exibicionismo cênico.

Represa (Cotação: * * * *)

Represa | Foto: Glenio Campregher
Represa | Foto: Glenio Campregher

Mais ambiciosa do que sua encenação a princípio deixa transparecer, Represa é tratado intenso acerca de traumas e de conceitos banalizados, como o perdão. Através de um discurso simples, Clara Trocoli (sob a inteligente direção de Lara Duarte, que também assina o texto) expõe traumas e mazelas com toques de humor sardônico, que eleva a encenação.

Mesmo sem necessariamente fazer rir, a graça e a ironia com a qual retrata temas como o abuso sexual e os traumas da vida adulta resulta ainda mais intenso – permeado por excelente trabalho de corpo. Sem precisar de qualquer muleta cênica (a despeito do rodo que a acompanha ao longo de toda a encenação), Trocoli soa impactante sem precisar levantar bandeiras ou apelar para discursos simplórios. É basicamente a crença no simples.

Is This a Man? (Cotação: * * * * *)

Is This a Man | Foto: Glenio Campregher
Is This a Man | Foto: Glenio Campregher

Grupo com forte e intenso trabalho cênico na cidade de Belo Horizonte, Bacurinhas apresentou o laboratório do que provavelmente virá a se tornar seu próximo espetáculo. Alinhavado com clássica citação a Hamlet, de William Shakespeare, o grupo usa de um humor involuntário para construir excelente sátira do estereótipo masculino.

Através de boa iluminação, excelente trabalho corporal e projeções graciosas ao trabalhar a figura masculina acoplada ao corpo feminino, Is This a Man se sobressai como uma das melhores cenas apresentadas desde o início do Festival por seu caráter satírico e simples, sem exibicionismos ou necessidade de discurso simplista. É impagável a cena em que apresentam verdadeira coletânea do que há de melhor nas piores cantadas masculinas.

O Festival Cenas Curtas acontece até domingo (29) no Galpão Cine Horto, a partir das 20h (cenas). Os ingressos custam de R$ 10,00 (meia) a R$ 20,00 (inteira). A programação também conta com a exibição do documentário Cenas Curtas 20 Anos: A Festa dos Encontros, de Marcos Coletta e Paula Dante, e com debates realizados um dia após a realização das cenas, e performances em espaços ao redor, com ingressos gratuitos.

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