Reverente, O Peso do Pássaro Morto peca ao se deixar levar por armadilhas do teatro digital

O Peso do Pássaro Morto - Foto: Aurora Cerello

Desde que a pandemia do novo Coronavírus congelou o mercado cultural fechando teatros, casas de shows e espaços culturais ao redor do Brasil e impedindo a aglomeração do público em ambientes abertos ou fechados, artistas e produtores tentaram se reinventar utilizando da arma mais eficaz e presente no dia a dia do público brasileiro: o celular.

Produzindo conteúdo para o universo online, uma série de artistas mergulhou na linguagem digital para apresentar textos dramatúrgicos e contracenando com a câmera ou com colegas de forma remota. A partir daí criou-se uma nova linguagem apelidada de Teatro Digital, que é quando a linguagem teatral se funde diretamente com as possibilidades tecnológicas.

Eventualmente, montagens estabelecem diálogos com o audiovisual para que a história seja contada com mais elementos cênicos e possibilidades de narração – processo esse já presente no teatro convencional em linguagens com a do teatro-documentário, por exemplo. Um dos casos mais vitoriosos do cenário atual é Peça, de Marat Descartes sob a direção de Janaína Leite. 

Trunfo das encenações digitais, o híbrido entre teatro e audiovisual, contudo, também é uma das maiores armadilhas da nova linguagem. Com todas as possibilidades de realizar encenações remotas utilizando os signos do audiovisual, alguns espetáculos acabam se lambuzando das possibilidades, descaracterizando o teor teatral e transformando as encenações em curtas-metragem.

É possível citar como um dos principais casos o de Loucas, texto de Sandra Massera dirigido por Dan Rosseto e protagonizado por Carolina Stofella. Na obra, Stofella dá vida a uma mulher presa em um sanatório num dos melhores desempenho de sua carreira. Contudo a quantidade de edições e cortes de câmera – além do espetáculo ter sido apresentado inteiramente gravado – descaracterizam a obra dentro do cenário teatral e a caracterizam como (bom) produto audiovisual.

Parecido acontece com O Peso do Pássaro Morto, espetáculo baseado na obra homônima da romancista Aline Bei sob a direção de Nelson Baskerville e protagonizada por Helena Cerello. O espetáculo, que estreou ontem, 22, após cumprir uma semana de ensaios abertos, caminha no tempo da delicadeza para contar a história de uma mulher dos oito aos 52 anos de idade.

Com uma construção minuciosa, Cerello dá vida a essa mulher em todas as etapas de sua vida dando os tons exatos de bonita ingenuidade aos oito anos e crescente desenvolvimento ao passo que a obra se desenvolve. É impactante, por exemplo, o relato da cena de abuso sofrida pela personagem, resultado de um ciúme doentio do primeiro namorado, que resultou em uma gravidez indesejada.

Entretanto, ao longo de quase uma hora, o experimento cênico se desenvolve com excessivas intervenções de imagens pré-gravadas narradas por Cerello.Embora resultem bonitas, a quantidade de imagens faz com que o espetáculo tenda a soar monótono – principalmente pelo tom elucidativo e professoral adotado a cada passagem do texto.

Outro ponto importante a se notar acerca de O Peso do Pássaro Morto é que o espetáculo não se priva de cair na armadilha de soar demasiadamente reverente à publicação na qual se baseia. Muitas vezes essa reverência é onde um espetáculo triunfa, como é o caso de A Hora da Estrela ou O Canto e Macabéa, espetáculo baseado na obra de Clarice Lispector que não fosse a pandemia do novo Coronavírus, cumpriria temporada em São Paulo neste segundo semestre.

Em O Peso do Pássaro Morto, contudo, essa armadilha soa mais como um pecado. Embora fluente, a adaptação soa demasiadamente literária e monocórdia. Assinada por Baskerville com Cerello e Cristiana Britto, a adaptação da obra fez bom trabalho condensador, mas dramaturgicamente resulta menos sólido.

É inegável a força poética da obra, assim como a beleza estética – mérito da direção sempre delicada de Nelson Baskerville – entretanto, no fim, O Peso do Pássaro Morto perde força e impacto devido às excessivas intervenções pré-gravadas e ao caráter reverente à obra original.

SERVIÇO:

Data: 22 de agosto a 27 de setembro (sábados e domingos)

Local: Zoom

Horário: 16h

Preço do ingresso: R$ 20,00 – R$ 30,00 – R$ 50,00

Ingressos: https://www.sympla.com.br/opesodopassaromorto

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