Sem medo do clássico, Escola de Mulheres mergulha na comédia farsesca para discutir condição feminina

Escola de Mulheres | Foto: Ronaldo Gutierrez

Se analisado em caráter de urgência, à luz da constante revolução de costumes à qual a sociedade vem se submetendo desde a última década, refletida também na produção teatral, talvez Escola de Mulheres, o clássico texto do comediógrafo francês Molière (1622-1673) escrito há mais de 350 anos, soe como obra de caráter anacrônico, montado meramente como um exercício de pesquisa e valorização da história teatral.

Entretanto, em se levando em conta o tempo de maturação, a obra, em cartaz no palco do Teatro Aliança Francesa desde o último sábado, 15, resulta muito mais interessante do que mero estudo de repertório. Isso porque, sob versão e direção de Clara Carvalho, o clássico texto de Molière ganha ares de discussão contemporânea que, se não sacia o desejo de grupos ávidos por obras que expressem diálogo direto com suas pautas e anseios sociais, tampouco resulta anacrônico.

Narrando a história de Arnolfo, um bufão que anseia por um título de nobreza, que decide criar a jovem Inês na ignorância desde sua primeira infância para que assim ela não sinta atração por nada e nem ninguém que extrapole o entorno de sua vida matrimonial, e ele não seja traído, Escola de Mulheres resulta numa farsa clássica e (até) conservadora em sua forma, e esse é um dos pontos que torna o espetáculo tão sedutor.

Diretora que despontou investigando a sisuda obra do romeno Matéi Visniec em obras como o inaugural Máquina Tchekhov, o premiado Condomínio Visniec e o irregular Ricardo III ou Cenas da Vida de Meierhold, Clara Carvalho exibe em Escola de Mulheres encenação muito menos transgressora que em obras anteriores, reerguendo seu contato direto com a obra que criou ao longo de mais de 40 anos ao lado do grupo Tapa, de Eduardo Tolentino.

Escola de Mulheres, inclusive, põe Carvalho na mesma frequência de obras anteriores do grupo, desde seu elenco até a concepção quase onírica do cenário, do desenho de luz e do visagismo, que estabelecem contato direto com a França de Molière, ainda que sua versão para o texto – concebido em verso – não se prive de conexões com o português contemporâneo.

É verdade que o espetáculo, embora sedutor, não atinge o ápice de obras passadas da diretora (como o citado Condomínio Visniec), entretanto Carvalho estabelece um ritmo que faz com que, ao longo de uma hora e meia, a montagem jamais soe cansativa. A encenação, pelo contrário, ganha cadência à medida que se desenvolve, mérito também do elenco encabeçado por um excelente Brian Penido Ross.

O ator constrói em cena um Arnolfo que referencia personagens anteriores, como as que viveu em montagens como O Jardim das Cerejeiras, De Todas as Maneiras que há de Amar e Diálogo com os Personagens, mas sem jamais soar repetitivo. Ao contrário, Ross busca diferentes registros cômicos ao longo da encenação, fazendo de seu Arnolfo um canalha de ar encantador.

Parecido acontece com Ariel Cannal, que, na pele do sedutor Horácio, mergulha no registro romântico sem jamais resultar insosso. É verdade que, embora resulte azeitado, o elenco oscila. Gabriela Westphal, na pele da inocente Inês, faz pouco por sua personagem, enquanto Luiz Lucas, Fulvio Filho e Leandro Tadeu fazem o que podem por suas personagens, ainda que – por uma limitação dramatúrgica – não tenham chance de soar tão cativantes quanto seus colegas.

Por sua vez, Felipe Souza encanta na pele de um Cupido mudo, que, tal qual em Condomínio Visniec, conquista por seu expressivo trabalho de corpo. Na pele de dois criados corruptos, Rogério Pércore e Vera Espuny ganham mais fôlego à medida que a obra avança e os atores soam mais à vontade com suas personagens.

São delicados os detalhes que envolvem Escola de Mulheres, ainda que os figurinos assinados por Marichilene Artisevskis mergulhem em registro excessivamente clássico e reverente, o cenário de Chris Aizner e o desenho de luz de Wagner Pinto criam – com elementos simples – o ambiente onírico sublinhado pela trilha de Gustavo Kurlat.

Longe do caráter experimental, Escola de Mulheres é obra que não apenas resulta agradável e potente em sua discussão acerca do papel feminino que, embora diferente, ainda ecoa na dramaturgia de Molière, mas também posiciona Clara Carvalho como encenadora versátil, capaz de mergulhar no experimentalismo com o mesmo ardor que emerge do teatro clássico.

SERVIÇO:

Data: 15 de janeiro a 27 de março (quinta-feira a domingo)

Local: Teatro Aliança Francesa – São Paulo (SP)

Endereço: Rua General Jardim, nº 182 – Vila Buarque

Horário: 20h (quinta a sábado); 18h (domingo)

Preço do ingresso: R$ 30,00 (meia) a R$ 60,00 (inteira)

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