Sem medo do popular, Presente de Grego dribla armadilhas e aposta na experiência da interação com o público

Presente de Grego- Foto: Divulgação

Não tivesse a pandemia do novo Coronavírus fechado teatros e espaços culturais ao redor do mundo, Presente de Grego chegaria aos palcos ainda neste 2020, marcando o segundo passo autoral na obra dramatúrgica da atriz, diretora e coreógrafa Gal Spitzer.

Com os planos frustrados de encenar no palco a recriação cômica e contemporânea da Guerra de Tróia, a artista decidiu então criar uma espécie de prólogo para a obra ainda inédita, dando à luz o experimento cênico online também intitulado Presente de Grego, que cumpre temporada desde o início de setembro via plataforma de reuniões remotas Zoom, e narra a guerra de uma família pela herança de um tio rico e excêntrico.

A comédia flagra as personagens numa reunião online para cumprir o desafio de permanecer o maior tempo possível na companhia um do outro para ter acesso à herança do tio, vivido por Silvio Toledo. O encontro sublinha a disputa entre dois sobrinhos ambiciosos vividos por Danilo de Moura e Ernando Tiago, e suas respectivas namoradas, personagens de Carla Pagani e Gal Spitzer. Em paralelo, correm por fora a irmã do ricaço (papel de Débora Munhyz) e o mordomo da família (Blota Filho).

Spitzer, que estreara como dramaturga há três anos com a comédia Ex Bom é Exumado, apresenta comédia simples no mesmo estilo dos excertos de vaudeville que há 20 anos são prática comum em parte do circuito teatral paulistano composto por produções ambientadas em teatros como Ruth Escobar, Bibi Ferreira, Brigadeiro e Santo Agostinho.

A despeito da premissa ambiciosa, a dramaturgia, contudo, gira no lugar comum da comédia de costumes tão famosa em São Paulo, o que não caracteriza um demérito. Com conhecimento invejável do humor popular que lota as salas de espetáculo, Spitzer consegue extrair graça da simplicidade de uma dramaturgia que, embora estacione na premissa, sem um desenvolvimento para além do básico, atinge em cheio a camada popular do público.

O grau de ambição fica na direção, também assinada pela artista, que aproveita bem as possibilidades dispostas na plataforma e reuniões remotas Zoom e, sem maneirismos pretensiosos, cria experiência focada na marcação e disposição do elenco em cena.

A (boa) interação dos atores através das telas alude a boa representação da tecnologia contemporânea das redes, pondo em cena artimanhas de edição de aplicativos como Tik Tok em tempo real. É nessa experiência de interação que Presente de Grego triunfa e dribla irregularidades tanto no texto quanto na escalação de elenco nem sempre uniforme.

Nomes como Silvio Toledo, Blota Filho, Danilo de Moura e a própria Spitzer se sobressaem na encenação digital. Na pele do excêntrico tio grego, Toledo usa de comédia física que, a medida que o espetáculo se desenvolve, cresce tirando proveito das limitações impostas pelo formato em composição afiada. Já Danilo de Moura se mostra à vontade na pele de um político corrupto, ainda que sua personagem pareça ter desenvolvimento aquém das possibilidades do ator, que valoriza piadas e interações.

Em seu melhor momento em cena, Spitzer constrói personagem arriscada, que beira o caricatural e poderia soar irregular não fosse o bom desempenho da atriz, que passa ao largo de armadilhas cênicas. Mas o destaque mesmo está em Blota Filho que, com poucas intervenções, volta a se comprovar um dos melhores atores cômicos de sua geração na pele de um mordomo mau humorado e sardônico.

Correta em cena, Débora Munhyz anda parece buscar os tons de sua personagem, enquanto Carla Pagani e Ernando Tiago rendem menos que seus colegas no papel do casal ambicioso em busca de um golpe para herdar a fortuna do tio.

Entretanto, apesar de irregularidades pontuais, Presente de Grego triunfa como boa comédia de costumes graças a boa experiência de interação e experimentações cênicas online em proposta que soa despretensiosa e prazerosa, resultando em boa comédia que deve crescer ao ganhar os palcos.

SERVIÇO:

Presente de Grego

Data: Peça em cartaz às sexas e sábados sem data para sair de cartaz

Local: Plataforma Zoom

Horário: 21h (sextas); 20h (sábados)

Preço do Ingresso: R$ 10,00 a R$ 100,00

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