Sem se levar a sério, Luluh Pavarin mergulha na tragicomédia com ares saborosamente banais

Eu Nasci para ser Miss | Foto: Divulgação

Em 2010, Luluh Pavarin traçou diálogo com o universo da tragicomédia absurda ao mergulhar no solo Como ser uma Pessoa Pior, de Germano Melo e Michelle Ferreira, sob a direção de Mário Bortolotto. Emulando obras como A Voz Humana, do francês Jean Cocteau (1889-1963), o solo não aproveitava os dotes cômicos da atriz, resultando apenas protocolar (a despeito de seu inegável sucesso com temporadas sucessivas ao longo dos anos).

Eu Nasci para ser Miss, solo que Pavarin estreou no último dia 08 dentro da programação digital do Alvenaria Espaço Cênico, em São Paulo, corria o risco de seguir pelo mesmo caminho pouco inspirado do monólogo anterior e, a julgar por seu início, de fato, a obra seguiria.

Contudo, ao narrar a história de uma garota que foi transformada em uma espécie de miss fake pela obsessão da mãe em concursos de beleza e pelo universo que sagrou nomes como Martha Rocha (1936-2020) e Vera Fischer, Pavarin dá salto rasante no universo da tragicomédia através de uma fórmula infalível: o fracasso de sua protagonista.

Flertando com elementos da autoficção, Pavarin constrói em Eu Nasci para ser Miss texto fluente que extrai comicidade do que há de mais banal na tragédia da personagem que viveu à sombra da mãe e acabou salva pela lucidez e falta de perspectiva do pai enquanto se ocupava de sonhos triviais.

Embora transite pelo universo digital, a atriz triunfa ao levar fé no que há de mais protocolar na arte teatral: o puro e simples diálogo com o público. Sorvendo de uma linguagem milenar, que se popularizou mercadologicamente no final do século XX graças aos solos e aulas-espetáculo de nomes como o do norte americano Spalding Gray (1941-2004) e do paraibano Ariano Suassuna (1927-2014), a artista estabelece conexão imediata com a plateia – ainda que através da frieza de duas câmeras.

Inclusive, as duas câmeras posicionadas para injetar dinamismo na encenação, servem ainda como bom estudo de linguagem, não apenas pela qualidade oscilante da imagem, mas também – e principalmente – pela interação da artista com os dois veículos, estabelecendo o contato em dois planos distintos não apenas com o público, mas da personagem consigo mesma. É singelo e convincente.

Mérito da direção inteligente da atriz e autora, que prova que, mesmo com todas as ferramentas digitais possíveis, apostar na simplicidade da comunicação direta com o público, ainda é a melhor dinâmica – valorizada ainda pelo tempo correto (o espetáculo tem menos de uma hora).

Pavarin entrega desempenho histriônico e acima do tom, apelando para piadas fáceis de escape (quase) previsíveis. E é essa a maior virtude da atriz, que, safa, compreende que é este o registro que faz de Eu Nasci para ser Miss espetáculo repleto de leveza e descontração, injetando no universo das experimentações online o que mais lhe falta: bom humor.

SERVIÇO:

Data: 08 a 29 de março (segundas-feiras)

Local: Alvenaria Espaço Cultural – São Paulo (SP)

Espetáculo transmitido via Zoom

Horário: 20h

Preço do ingresso: R$ 20,00 (valor único)

Toda a verba arrecadada será destinada ao auxílio dos profissionais da técnica por meio da iniciativa SOS Técnica São Paulo

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