Singelo, A Pena de Wilde extrapola universo literário para construir bonita relação de intimidade com o público

A Pena de Wilde | Foto: Reprodução

Escritor, poeta e dramaturgo irlandês que entrou para a História não apenas por sua (monumental) obra literária, mas também por ter sido uma das pessoas mais notórias do Reino Unido no século XIX a enfrentar uma condenação por homossexualidade, Oscar Wilde (1854-1900) constantemente é lembrado no ambiente dramatúrgico em peças que buscam investigar sua obra, sua vida e o fatídico dia de seu julgamento,

Considerado ponto de inflexão em sua vida, o julgamento que o levou a alguns anos de reclusão e serviços forçados e o obrigou a deixar o Reino Unido com toda a sua família rumo à Paris, onde morreu, na virada do século, é também um dos pilares de A Pena de Wilde, solo escrito, dirigido (com a orientação de Luiz Fernando Marques) e estrelado por Ailton Guedes que estreou na cidade de Santos em 2019 e chegou a cumprir temporada relâmpago em São Paulo no mesmo ano.

Dois anos após a estreia, o espetáculo chegou na noite desta última quinta-feira, 18, ao universo online compondo a programação do festival Flow Literário voltado à literatura e às artes com transmissão através do canal oficial do projeto no Youtube.

Mais do que uma análise acerca da obra de Wilde, o solo conta da construção da relação do intérprete com a obra do autor de peças como Salomé (1891), sua primeira e única tragédia. Guedes traça narrativa familiar iniciada em sua infância em Santos e com a influência da avó portuguesa e as relações estabelecidas com a cultura inglesa.

A peça opta por um diálogo aberto com o público partindo da premissa de um encontro para um chá que revelará o conteúdo de uma carta enviada ao ator pela Rainha Elizabeth em pessoa. A partir de então é construída a conexão entre ator e plateia para que Guedes narre a história de sua relação difícil com o pai, a dificuldade de lidar com a morte precoce da mãe e sua dificuldade de socialização no ambiente escolar.

O ator e autor opta pela linguagem da autoficção em registro bastante simples. E é nesta simplicidade que mora o mérito do espetáculo, que abre mão de ambições dramatúrgicas rebuscadas – o que geralmente faz da experiência da autoficção uma opção maçante e pouco interessante.

A Pena de Wilde dribla as armadilhas ao apostar na simplicidade e na sensibilidade do público. Mérito do ator, que, utilizando registros de sua faceta de contador de histórias (principalmente quando opta por, de fato, narrar as obras do escritor), leva o espetáculo em ritmo cadenciado, sem grandes arroubos, mesmo quando a obra adota contornos dramáticos que, se têm verossimilhança contestável, também não prejudica o resultado final.

Favorecido pela beleza plástica do figurino assinado por Nadine Trzmielina e do cenário de Heron Medeiros (valorizado pelo excelente desenho de luz) A Pena de Wilde é obra sensível e delicada que, ao apostar no depoimento íntimo de um apaixonado pelo processo criativo, comprova que a ambição mais simples pode ser a mais bem sucedida.

SERVIÇO:

Este espetáculo está fora de cartaz.

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