Solo musical ressignifica figura de Carmen Miranda na dramaturgia

Renata Ricci como Carmen Miranda em Pra Você Gostar de Mim | Foto: Divulgação

Desde antes de sair de cena, em 05 de agosto de 1955, Maria do Carmo Miranda da Cunha, já era uma das figuras mais emblemáticas da cultura popular tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos ao vestir os trajes de Carmen Miranda (1909-1955), a persona que viveu ao longo de (breves) 46 anos de vida. Entretanto, foi pouco menos de uma década após sua morte que Carmen Miranda virou efetivamente uma personagem dramática.

Foi pelas mãos de Marília Pêra (1943-2015), que, em 1963, deu vida à pequena notável em Teu Cabelo não Nega, revista biográfica do compositor Lamartine Babo (1904-1963), que tinha em Carmen uma de suas principais intérpretes. Pêra repetiria a dose em uma série de outros espetáculos ao longo das décadas, até 2006, quando estrelou Marília Pêra Canta Carmen Miranda, sob a direção de Maurício Sherman (1931-2019).

Depois de Pêra, outros (muitos) nomes deram vida à artista, mas poucas com tanto êxito quanto a atriz e suas duas sucessoras Stella Miranda (em 2001, no musical South American Way, de Miguel Falabella, e mais de uma década depois, no pocket Miranda por Miranda, de 2014) e Amanda Acosta (no brilhante infantil A Grande Pequena Notável, de 2018).

Agora, outro nome entra para o hall de grandes intérpretes da cantora e atriz que internacionalizou o carnaval brasileiro e suas baianas. Ao viver o ícone em Pra Você Gostar de Mim, Renata Ricci não apenas atinge ápice dramático em sua trajetória artística, mas dá, pela primeira vez, tratamento puramente dramatúrgico à trajetória da artista, narrado a partir de episódio histórico na vida da artista.

Em 1940, já uma estrela internacional, Miranda recebeu um convite da então primeira dama do Brasil, Darcy Vargas (1895-1968), para retornar ao país para um show exclusivo no palco do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro. A apresentação entrou para a história como um dos maiores fiascos do showbusiness brasileiro ao flagrar público hostil com a presença da artista no palco.

A frieza e as vaias teriam acontecido após a artista interpretar um de seus sucessos internacionais, South American Way, e saudar a plateia com um sonoro “good night, people”, mau recebido pela plateia repleta de governistas alinhados à simpatia que o então presidente, Getúlio Vargas (1882-1954), nutria por Adolf Hitler (1889-1945) e sua sina nazista, totalmente anti-americana. 

Ainda que o texto de Guilherme Gonzales nunca se debruce efetivamente sobre as questões políticas que cercaram aquelas possíveis vaias (já desmentidas em livro pelo biógrafo da cantora, Ruy Castro, em 2005), Pra Você Gostar de Mim busca estabelecer outras discussões, enfocando, principalmente, questionamentos acerca da vida e da carreira de Miranda, que, à época, já vislumbrava a derrocada de sua carreira nos estúdios de Hollywood.

Gravado em forma de curta teatral, o espetáculo localiza a artista em três momentos distintos: em uma consulta fictícia com um terapeuta brasileiro em Hollywood, uma troca de correspondências com sua irmã, Aurora Miranda (1915-2005), e seus momentos de glória e crepúsculo no palco.

Delicada, a direção dividida entre Celso Correia Lopes e Renata Ricci estabelece diálogo imediato entre a obra e o público, assim como a (boa) direção musical e os arranjos de Reinaldo Sanches, que, pilotando e encabeçando banda formada por Mica Matos, Rayra Maciel e Samuel Morales, consegue emular parte do suingue de Carmen Miranda, ainda que viaje pelo jazz e pelo suingue latino de ritmos como a rumba e o tango.

Gravado como espetáculo de entressafra antes da encenação de As Irmãs Miranda, obra que pretende jogar os holofotes sobre a relação entre Carmen e Aurora, Pra Você Gostar de Mim é obra que alça Renata Ricci ao posto de uma das principais atrizes de sua geração.

Sua construção como Carmen Miranda não apenas evita modismos, como estabelece uma construção longe da figura quase personalística que se tornou Miranda em outros espetáculos do gênero. Ricci opta por se afastar da imitação e focar o drama por trás do mito de Carmen Miranda.

Ainda que prejudicada pela frieza do online, a produção resulta tocante, num dos experimentos mais ambiciosos do digital, ainda que evite se afastar demais da tríade sagrada de um bom texto, uma boa direção e uma grande performance. Enfim, ainda que apresentado como obra de entressafra, Pra Você Gostar de Mim é espetáculo com cacife para ajudar a ressignificar, principalmente, a figura de Carmen Miranda no universo do teatro musical tupiniquim.

SERVIÇO:

Este espetáculo está fora de cartaz.

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