Soturno, 2 Palitos revira clichês juvenis para expandir discurso sobre dores e delícias do amadurecimento

2 Palitos | Foto: Divulgação

Alguma coisa está fora de ordem em 2 Palitos (ou a Fantástica Insensatez da Existência), peça escrita e dirigida por Luccas Papp que encerrou sua quarta temporada na noite de ontem, 27, no Espaço Parlapatões, na Praça Franklin Roosevelt, mas retorna em setembro deste ano comemorando um ano em cartaz. E esse é um dos melhores elogios que o espetáculo pode receber.

Gestado como uma espécie de mosaico da figura de amadurecimento da adolescência, 2 Palitos é peça com desfecho menos trivial do que sua construção faz supor. Composto por sete esquetes sobre as dificuldades da vida adulta e das dores e delícias do amadurecimento, o espetáculo traça o perfil de onze personagens, a maioria originária de uma mesma turma do último ano do colégio, e o desenrolar de suas vidas pós-formatura.

Com texto direto e sem floreios, Papp encara alguns dos clichês do teatro jovem moderno para desconstruí-los enquanto fala diretamente para um público geracional – sem, contudo, datar ou limitar a dramaturgia. O autor constrói histórias que tratam diretamente de uma contemporaneidade que não se priva do apelo ocasional a um didatismo que, no todo, resulta apropriado.

O (numeroso) elenco, em sua maioria, resulta homogêneo, com um trabalho que comunica e ressoa com toques de uma ironia fina e, invariavelmente, engraçada No elenco feminino, Hellen Kazan se destaca pelo tom pungente de uma interpretação construída no tempo da delicadeza, enquanto Gabriela Gama e Paula Davanço fazem tocante jogo cênico; Francis Helena Cozta, por sua vez, angaria umas das melhores cenas do espetáculo, com destaque para Marcela Figu, com bem talhado timing de alívio cômico.

Já na parcela masculina, Alexandre Ammano e José Lima constroem boa parceria cênica, enquanto Fernando Maia constrói interpretação visceral que descamba num registro tocante. Diretor  autor, Luccas Papp se comprova ótimo ator – já talhado de trabalho anterior, o seminal drama Nunca Fomos tão Felizes, com detalhista construção cênica – exibindo interpretação feita através do olhar. Dudu de Oliveira e Vivian Julio completam o elenco, em interpretações que soam mecânicas frente a de seus colegas.

Ainda que soe pouco inventiva, com uma construção previsível dos quadros cênicos, a direção de Papp é competente ao costurar bem cada cena, com passagens que não pretendem reinventar a roda teatral, mas faz transparecer bem a unidade proposta pela dramaturgia, que peca apenas na alongada construção do desfecho que, embora previsível, é respiro de novidade frente a outras produções do gênero.

Valorizada pela (boa) luz desenhada por Gabriele Souza, 2 Palitos (ou a Fantástica Insensatez da Existência) abre ainda espaço para tratar da contemporaneidade inerente ao público jovem, e, embora não reinvente a roda teatral, retrata o universo do amadurecimento juvenil sem fugir do lugar comum justamente para virá-lo do avesso. O tratamento farsesco que dá ao tema do bullying por exemplo, resulta mais proveitoso do que os discursos triviais de espetáculos do gênero.

De alto quilate, o texto de Luccas Papp triunfa por seu caráter corajoso e nada prosaico, resultando numa obra de tons soturnos construída pelas frustrações do pó da estrada juvenil e avistando novos ares para o teatro feito para o público jovem, sem direcionamentos batidos, nem linguagem reducionista.

SERVIÇO:

Este espetáculo retorna em setembro de 2019 no Espaço Parlapatões.

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