Subvertendo moldes clássicos, musical Elza bebe da gana e da força de sua homenageada

Elza | Foto: Davi Campbell

Cantora de voz forte e marcante tão contundente quanto sua história de vida, Elza Soares da Conceição tem em sua garganta a representação do sofrimento e da persistência e esperança do povo brasileiro posto à margem de uma sociedade que se alinhou a uma concepção machista, racista, sexista e patriarcal de uma realidade, que talvez por estes motivos, explique o fato de essa cantora brilhante ter precisado esperar tanto tempo para ver seu nome cintilar na marquise da fama e do prestígio que sempre lhe foram de direito.

É com essa plena consciência, do que significa a voz e a existência de Elza Soares, que Duda Maia concebeu Elza, musical biográfico que, de maneira poética e corajosa, subverte a fórmula do gênero que se notabilizou no Brasil graças a seu caráter jukebox, e já biografou figuras como Elis Regina, Tim Maia, Clara Nunes, Dona Ivone Lara e até a apresentadora Hebe Camargo e o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna.

Em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso em curtíssima temporada, Elza faz jus a personagem que põe em cena. Ao perfilar a personagem de forma pouco ortodoxa e fugindo a qualquer linearidade reducionista, o dramaturgo Vinicius Calderoni busca, através de certo lirismo, uma representação da figura de Elza na voz de sete atrizes negras de origens, sotaques, físicos e vozes diferentes.

Com um protagonismo inerente a figura de Larissa Luz, atriz que mimetiza a perfeição os trejeitos físicos e vocais de Elza, o musical perfila não apenas a vida, mas também a carreira fonográfica da cantora, prejudicada pelo racismo, pelo machismo e pelo preconceito que pautaram seus mais de 60 anos de carreira.

Contudo, Fênix que não se deixa abater, Elza protagonizou, na metade da década de 2010, seu renascimento artístico mais contundente com o lançamento de A Mulher do Fim do Mundo, seu primeiro álbum de inéditas já histórico pela contemporaneidade e pelo viço político e social que a cantora, no alto de seus 82 (ou 89) anos carrega ainda hoje. “Meu nome é agora”, bradam as sete atrizes, rememorando frase célebre desta cantora atemporal que não se deixou abater também pelo preconceito de idade.

Sob a direção musical dividida entre Larissa Luz, Antônia Adnet e Pedro Luís, o espetáculo se engrandece ao visitar temas clássicos da música popular gravados por Elza a perfeição, mas que nunca receberam a devida atenção. Caso de Dindi, tema de Antônio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira que ganhou o mundo após gravação de Frank Sinatra, mas antes já havia passado pela voz de Elza Soares em gravação de 1965.

Valorizado pelos (excelentes) arranjos de Letieres Leite, mentor e maestro da revolucionária Orkestra Rumpilezz, o espetáculo se engrandeceu ao abordar Dindi em registro jazzy, valorizando não apenas a voz de Késia Estácio, mas também toda a bossa jazística que já pairava pelo canto de Elza muito antes de ela conhecer e ser convidada a dividir o palco com o mitológico Louis Armstrong.

Com graça, o musical aborda o senso de humor desta cantora cheia de scats que ressignifcou o versos de Se Acaso Você Chegasse, de Lupicínio Rodrigues, e se viu embrenhada nos encantos de Manuel Francisco dos Santos, também conhecido como o ex-jogador de futebol e craque da seleção Mané Garrincha, com quem viveu relacionamento conturbado regado a sexo, polêmicas, preconceito e desaguou em tons trágicos pelo envolvimento do atleta com o álcool, e os preconceitos conservadores da época.

Sobrevivente, Elza se manteve em pé, mesmo após a trágica morte da mãe causada por Garrincha, a morte do filho mais novo e uma queda do palco do Metropolitan que, em 1999, quase a tirou de cena precocemente. Em cena, o momento ganha belo simbolismo traduzido pela voz de Lais Lacôrte em interpretação visceral de Eu vou Ficar Aqui, canção do grupo Funk como le Gusta que a homenageada gravou em 2002 em seu também histórico disco Do Cóccix até o Pescoço.

Do mesmo álbum, saiu A Carne, música protesto do grupo Farofa Carioca que Elza tomou para si, ressignificando os versos e fazendo dela um hino de resistência, muito bem assimilado  apresentado em cena em um dos momentos mais contundentes e fortes deste espetáculo que, envolto sob a luz incisiva de Renato Machado, e sob o cenário concebido por André Cortez, fez da história de Elza um veículo para discussão político-social.

Nada mais fiel e coerente com a história desta senhora cantora que, eleita a voz do milênio pela BBC de Londres no final de 1999, se tornou a voz da representatividade na música popular brasileira e assimilou a perfeição os anseios sociais que, parafraseando fala catártica do espetáculo, porta voz e não armas.

Em cartaz de quinta a domingo no Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, em curtíssima temporada Elza é musical contundente que subverte os signos do teatro musical convencional – que já apresenta claros sinais de desgaste -, e fala diretamente à história e às crenças desta cantora que se reinventou para sobreviver ao longo de mais de 60 anos sem jamais esmorecer, mesmo quando vacilou e insinuou uma desistência. Maltratada pela vida e pela coluna, contudo, seguiu insistindo e galgando caminho próprio com um único e claro propósito seguido a perfeição até aqui: cantar até o fim.

SERVIÇO:

Data: 20 de junho a 14 de julho (quinta a domingo)

Local: Teatro Sérgio Cardoso – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Rui Barbosa – 153 – Bela Vista

Horário: 20h (quinta a sábado); 17h (domingo)

Preço do ingresso:

Quinta-feira (sessões populares)

Plateia VIP: R$80,00 (inteira) / R$40,00 (meia)

Plateia: R$60,00 (inteira) / R$30,00 (meia)

Balcão: R$30,00 (inteira) / R$15,00 (meia)

Sexta-feira e domingo:

Plateia VIP: R$120 (inteira) e R$60 (meia)

Plateia: R$100 (inteira) e R$50 (meia)

Balcão: R$50 (inteira) e R$25 (meia)

Sábado:

Plateia VIP: R$150 (inteira) e R$75 (meia)

Plateia: R$120 (inteira) e R$60 (meia)

Balcão: R$70 (inteira) e R$35 (meia)

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