Sunset Boulevard dribla irregularidades e consagra Marisa Orth no teatro musical

Marisa Orth contracena com Julio Assad em Sunset Boulevard

Quando estreou em idos de 1993 no West End, em Londres, o musical Sunset Boulevard carregava a responsabilidade de adaptar um dos filmes mais icônicos do cinema norte americano para os palcos. Com músicas de Andrew Lloyd Webber e letras de Don Black e Christopher Hampton, o espetáculo foi um dos maiores sucessos da temporada, coroando a carreira inglesa da atriz e cantora norte americana Patti LuPone, então já sagrada uma das maiores estrelas da Broadway. 

A trama gira em torno de Norma Desmond, ex-estrela do cinema mudo que não se adaptou a nova era dos filmes falados, e acabou relegada ao ostracismo até a chegada repentina de Joe Gillis, roteirista fracassado que se vê obrigado a ajudar a excêntrica estrela a retornar aos palcos, numa relação que não se mantém apenas no âmbito profissional. 

Popularizado por duas icônicas performances de Glenn Close na Broadway (em 1993 e em 2017), Sunset Boulevard chegou ao Brasil em 22 de março em produção estrelada por Marisa Orth, consagrada atriz com carreira sólida principalmente graças a trabalhos relacionados à comédia, e com trajetória paralela como vocalista de bandas como Luni e Vexame. 

Na pele de Desmond, Orth enfrenta não apenas uma das personagens mais difíceis de sua carreira, como também se propõe a seu maior desafio no teatro musical: se levar a sério como cantora. Ao longo de mais de duas horas, o espetáculo criado por Lloyd Webber é basicamente cantado, em uma das partituras mais difíceis do teatro musical. 

Em suas duas incursões anteriores pelo gênero – nas comédias A Família Addams e Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos – a atriz caminhou em uma zona de conforto tanto na comicidade dos dois textos, quanto nas canções de tons simples que norteiam as produções. 

Agora, contudo, como Norma Desmond, Orth retoma, no teatro, o gênero dramático que visitou tão pouco desde que despontou na televisão, na década de 1990. A atriz embarca no que é seu melhor desempenho cênico desde O Inferno Sou Eu, de Juliana K., onde dava vida a filósofa, ensaísta e escritora Simone de Beauvoir. 

Ao construir sua Norma Desmond, a atriz caminha por registros pouco confortáveis, seja vocalmente ou cenicamente, se jogando em um melodrama contido para dar vazão aos arroubos histéricos de uma personagem que, ao longo de todo o espetáculo, denota sinais de senilidade até desaguar no operístico desfecho. 

Sob a direção do norte americano Fred Hanson, Marisa dribla as irregularidades propostas pela encenação e se sobressai expondo uma fragilidade tocante, em uma interpretação baseada, principalmente, no olhar. 

Ainda que apele para alguns maneirismos cênicos – que denotam a fala de uma mão firme na direção a ponto de podá-los -, a atriz consegue fazer de sua Norma uma figura emocionalmente próxima do público. 

Se Hanson busca dosar os tons dramáticos do espetáculo, a fim de imprimir sua própria assinatura, Orth faz dribla as pequenas irregularidades – como os figurinos de Fause Haten, por exemplo – para fazer de sua Norma o papel de sua carreira em musicais. 

O mesmo, infelizmente, não se pode dizer de seus companheiros de cena. Na pele do soturno mordomo Max, Daniel Boaventura não rende em cena como poderia. Com excelentes passagens por personagens cômicos, o ator parece não conseguir o mesmo resultado na pele de personagens que necessitam de um verniz dramático mais acentuado – como foi o caso de seu opaco Juan Perón no revival tupiniquim de Evita, em 2013. 

O mesmo pode-se dizer sobre Júlio Assad. Na pele do protagonista Joe Gillis, Assad se deixa apagar pela presença de seus colegas de cena. O ator dá vida a um Joe sem carisma e sem as matizes que a personagem necessita. Mais feliz e Lina Canineu na construção de sua Betty Schaefer que, embora não conquiste de imediato a plateia, demonstra mais vivacidade, se sobressaindo ao Gillis opaco de Assad. Outro ponto que denota a direção frouxa assinada por Hanson. 

Falou ao americano mão firme para a condução de seu elenco – principalmente na poda de excessos de seu ensemble. Assim como o cenário assinado por Matt Kinley também carece de inventividade, abusando de alguns lugares-comuns no tratamento de um espetáculo sobre um veículo como o cinema. 

Por outro lado, um grande ponto positivo são as versões assinada por Mariana Elisabetsky. A versionista apresenta, neste espetáculo, seu trabalho mais coeso dentro do teatro musical. 

Contudo, apesar das irregularidades, Sunset Boulevard ainda assim encanta. Seja pelo excelente roteiro ou pelas músicas, há um ponto nessa versão tupiniquim decisivo para que se faça um espetáculo acima da média: a presença de Marisa Orth, que consegue não apenas sua consagração no teatro musical, como também se confirma – mais uma vez – uma das melhores atrizes de sua geração.

SERVIÇO 
Data: 22 de março a 07 de julho (quinta a domingo) 
Local: Teatro Santander – São Paulo (SP) 
Endereço: Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, 2041 
Horário: 21h (quintas e sextas); 17h e 21h (sábados); 15h e 19h (domingo) 
Preço do ingresso: R$ 75,00 a R$ 290,00

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