Suntuoso, musical se ressente de erros da matriz e de má escolha de seu protagonista em montagem que não cativa

Cleto Bacic como Willy Wonka em Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate | Foto: João Caldas

Em meados de 2018, após montar dois bem sucedidos musicais voltados ao público adulto, a comédia A Madrinha Embriagada (2013) e o drama O Homem de la Mancha (2014), a produtora Atelier de Cultura descobriu filão precioso a ser explorado dentro do mercado musical tupiniquim: os espetáculos alicerçados em histórias e elencos infanto-juvenis.

Nos campos comercial e artístico, a aposta foi acertada. Em maior ou menor escala, os espetáculos fluiam sob a figura cativante de atores mirins que carregavam boa parte do encanto de produções como Annie (2018), Billy Elliot (2019) e Escola do Rock (2019), e conferiram charme à montagens menos inspiradas, como A Noviça Rebelde (2018).

Seguindo esta seara, soou natural ainda em 2020 o anunciou da primeira produção nacional de Charlie e A Fantástica Fábrica de Chocolate, que tem como base principal o livro do escritor britânico Roald Dahl (1916-1990), que deu origem ao clássico filme de 1971, estrelado por Gene Wilder (1933-2016), e que rendeu a irregular refilmagem de 2005, dirigida por Tim Burton e estrelada por Johnny Depp.

Com a pandemia do Coronavírus congelando o mercado cultural ao redor do mundo, a produção adiou a estreia momentos antes do abrir das cortinas e, agora, entra para o hall de obras que puxam a retomada do mercado musical junto a títulos como Donna Summer – O Musical e Cinderella – O Musical, que já estrearam, e os vindouros Silvio Santos Vem Aí – O Musical, Barnum – O Rei do Show e Chicago.

Da lista, Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolates é, a princípio, o mais suntuoso, com cenário multimídia e que, embora nem sempre se relacione de forma orgânica com a cena, é um dos mais imponentes. Assinado pelo norte americano Michael Carnahan, o cenário repete os erros do espetáculo anterior da produtora, Billy Eliot, no qual a cenografia truncava as transições de cena, por exemplo.

Por outro lado, o musical aposta – e acerta – no trabalho de Lígia Rocha e Marco Pacheco para criar bons figurinos, que funcionam bem quando adornados pelo (bom) desenho de luz de Mike Robertson e pelo excelente visagismo de Feliciano San Roman.

A boa junção técnica faz de Charlie e A Fantástica Fábrica de Chocolate um dos espetáculos mais imponentes desta temporada, dando à obra o status suntuoso frente à retomada também por ocupar o palco do Teatro Renault, que, nas últimas duas décadas, se tornou celeiro de produções responsáveis por replicar sucessos da Broadway no cenário patropi.

Contudo, a imponência do trabalho técnico (destacado ainda para o bom desenho de som de Gaston Briski) ganha contornos menos impressionantes à medida que o espetáculo de pouco menos de três horas, se desenvolve.

Narrando a história em volta do excêntrico chocolateiro Willy Wonka, que promove um concurso para que cinco jovens visitem sua mítica fábrica e participem de uma espécie de competição para arrematar um grande prêmio, o espetáculo se ressente muito mais dos erros da matriz do que necessariamente em sua versão nacional.

O fato é que, desde sua estreia no West End, em 2013, Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate é espetáculo que se apequena frente à adaptação irregular assinada por David Greig, que não apenas busca um afastamento proposital da versão cinematográfica, como peca em questões básicas, sendo a mais grave a não construção de uma relação direta entre o público e sua personagem mais mítica, Wonka.

O musical enfoca apenas a tentativa de estabelecer uma relação entre Charlie e sua família no ímpeto de construir uma jornada edificante para sua personagem-título. Entretanto, o roteiro de Greig, embora fraco, poderia servir como o fiapo de dramaturgia que geralmente sustenta a história de musicais produzidos apenas para alocar grandes canções. Mas Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate tropeça também – e principalmente – na falta de uma grande canção.

Com música composta por Marc Shaiman, que também assina as letras ao lado de Scott Wittman, o espetáculo não angaria nenhuma canção de fato cativante. As melodias têm o mérito de tentar fugir a simplificações baratas, contudo não atingem uma fórmula que dê ao público uma canção de identificação, tampouco valorizam a história.

A falta de um de um caráter poético, de certa forma, também dificulta o trabalho de Mariana Elisabetsky e Victor Mühlethaler, que têm pouco com o que trabalhar, e, ao versionar a obra de Shaiman e Wittman pouco fazem também por uma identificação nacional – possível resultado de amarras comerciais que impedem mudanças exponenciais (e, por vezes, necessárias) nas letras das canções de grandes produções.

Tanto em roteiro quanto em canções, Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate é espetáculo que tem pouco a dizer, se alicerçando exponencialmente na excentricidade e comicidade de sua figura central, o curioso Willy Wonka. E é justamente este o ponto fora da curva na montagem nacional da obra.

Apresentado como mais um espetáculo para apresentar crianças com talento para o teatro musical dentro das produções da Atelier, Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolates se ressente justamente do pouco espaço dado ao grupo de crianças e jovens. Diferente de obras anteriores, como os supracitados Annie, Billy Elliot e Escola do Rock, nesta obra há espaço apenas para uma criança brilhar – e, de fato, o elenco escolhido dá conta do recado.

Na pele da personagem-título, Felipe Costa (que alterna o papel ainda com Davi Martins e Leonardo Freire) cativa como o pequeno Charlie, ainda que tenha pouco material para trabalhar. O jovem ator canta (bem) e atua com desenvoltura, construindo parceria bonita com Sara Sarres (no papel da mãe Sra. Bucket) e, principalmente, com Rodrigo Miallaret, intérprete do ótimo Vovô Joe.

Miallaret angaria um de seus melhores momentos em cena. O ator testa seu já conhecido timing cômico em novos registros, além de usar de arsenal dramático que não deixa o ritmo da obra se perder enquanto está em cena. Ainda que seu personagem tenha desfecho aquém do que seu intérprete é capaz, é nesta obra que Miallaret tem (merecido) destaque e deverá ser reconhecido em futuras premiações.

Contudo, a obra peca justamente na escolha de sua figura central. Na pele de Willy Wonka, Cleto Baccic faz pouco pela produção. O ator, vencedor do Prêmio Shell por seu desempenho em O Homem de la Mancha, imprime a graça necessária à personagem, resultando em performance dispersa e pouco cativante. Em busca de um tom para chamar de seu, Baccic protagoniza gradativa perda de brilho, o que interfere diretamente no desenvolvimento do espetáculo.

Faltou à direção de John Stefaniuk melhor condução da obra e de seu protagonista. É verdade que o espetáculo percorre suas quase três horas sem barrigas, mas nem mesmo o dinamismo da troca de cenários livra a obra de soar essencialmente maçante. 

Nem mesmo a entrada em cena dos Oompa Loompas no segundo ato é capaz de tirar a má impressão deixada por todo o primeiro ato encenado sem dinamismo, ainda que com o melhor momento do espetáculo, quando Gui Leal e Lanna Moutinho – alternando papel com Lorena Castro e Nina Medeiros – protagonizam a entrada de Violet em cena, uma das crianças escolhidas para a tour.

O fato é que, suntuoso e imponente como a produção mais luxuosa da retomada até aqui, Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolates é espetáculo que se ressente sim do material original, mas se aprofunda em irregularidades numa versão nacional que não cativa, muito pela equivocada escolha de sua personagem mais importante, muito por resultar em espetáculo comercial que pode lotar plateias, mas tem muito pouco a dizer.

SERVIÇO:

Data: A partir de 17 de setembro

Local: Teatro Renault – São Paulo (SP)

Endereço: Av. Brigadeiro Luís Antônio, 411 – Republica

Horário: 20h30 (sextas); 15h30 e 20h30 (sábados); 14h30 e 19h30 (domingos)

Preço do ingresso: R$ 50,00 a R$ 310,00

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