Em plena atividade, Antunes Filho sai de cena com legado de valor imensurável

Antunes Filho

Saiu de cena na noite de quinta-feira (02) o diretor, encenador e pesquisador teatral Antunes Filho, um dos nomes mais importantes e produtivos do teatro brasileiro nos últimos 60 anos. Internado desde segunda-feira com um quadro de câncer no pulmão, Filho, aos 89 anos, viu os refletores apagarem como boa parte dos profissionais de sua geração: em plena atividade. 

Estudante dissidente do curso de direito da USP, o jovem José Alves Antunes Filho desistiu das leis para se aprofundar nas artes dramáticas. Cinco anos separam seu primeiro contato com os estudos teatrais (1946) e a formação do primeiro grupo amador, Teatro da Juventude (1951), com o qual encenou, no palco do Theatro Municipal de São Paulo, “O Urso”, comédia de Tchekhov sobre uma viúva e um credor que se colocam frente às diferenças e idiossincrasias dos sexos masculino e feminino. 

O início

Essa primeira montagem amadora, de certa forma, já daria o tom do que se tornariam suas pesquisas, buscando sempre o ponto de crítica frente aos costumes sociais de cada época. Por indicação de Décio de Almeida Prado, iniciou uma carreira como diretor assistente no Teatro Brasileiro de Comédia, trabalhando ao lado de nomes como o polonês Ziembinski (responsável pela revolução teatral da década de 50, encenando os primeiros espetáculos do repertório de Nelson Rodrigues e títulos como “Eles não Usam Black-Tie”, de Gianfrancesco Guarnieri) e os italianos Adolfo Celi, Luciano Salce, Ruggero Jacobbi e Flaminio Bollini. 

Em 1953, encenou a comédia “Week End”, do inglês Nöel Coward, a convite do Teatro Íntimo, companhia de Nicete Bruno, que lhe rendeu algumas indicações para dirigir programas e teleteatros na TV Tupi. Ávido pela liberdade que as companhias teatrais não lhe davam, fundou seu próprio grupo – o primeiro profissional. 

Sob a produção do seu Pequeno Teatro de Comédia – alusão direta ao TBC –, encenou “O Diário de Anne Frank” (1958), da dupla de dramaturgos norte americanos Francis Goodrich e Albert Hackett, um de seus grandes sucessos comerciais. A companhia se desfez três anos depois, sendo marcada por apenas um grande espetáculo de sucesso, e por incansáveis estudos. 

Foi nessa época que Filho iniciou suas pesquisas sobre a obra de Mário de Andrade, que, mais de uma década depois, daria vazão a “Macunaíma”, icônico espetáculo que não só consagraria o nome do diretor – então já laureado com prêmios como o Molière de Melhor Direção por “As Aventuras de Peer Grynt” (1971) –, como também mudaria o panorama do teatro nacional. 

O CPT

Em 1982, criou seu Centro de Pesquisas Teatrais (CPT), sob a chancela do Sesc SP, ocupando por quase 20 anos o Teatro do Sesc Anchieta – hoje, Sesc Consolação. A partir de então, montou espetáculos que ficariam como marcos na direção brasileira, entre elas a versão pop de “Romeu e Julieta” ao som do repertório do grupo inglês Beatles – fonte da qual o diretor Guilherme Leme Garcia beberia para criar sua adaptação do clássico de Shakespeare ao som da obra de Marisa Monte, 34 anos depois. 

Ao longo dos quase 40 anos de existência do CPT, Filho mergulhou na obra de Nelson Rodrigues (“Nelson 2 Rodrigues”, “Senhora dos Afogados”, “Toda Nudez Será Castigada”) em montagens que viriam a inspirar o diretor goiano Jorge Farjalla em sua incursão pelo repertório do trágico de São João do Miriti; criou também uma série de “anti-espetáculos” intitulados “Prêt-à-Porter”, que, ao longo de 10 edições, ajudaram a discutir as encenações e a linguagem cênica brasileira. 

Política e Ditadura

Naturalmente inquieto, o diretor carregou no currículo títulos de fama invejável nas artes brasileiras. Amigo e contemporâneo de Zé Celso e seu Teatro Oficina, não se apegou tanto a questões políticas, mas em plena ditadura foi capaz de criar uma montagem tão polêmica que marcou o fechamento do Teatro Brasileiro de Comédia (“Vereda da Salvação”, de Jorge Andrade, em 1964). 

Também bateu de frene com a sociedade conservadora brasileira da década de 60 ao filmar “Em Compasso de Espera”, sua única incursão pelo cinema, contando a história de um amor inter-racial, e colocando em primeiro plano a figura de Zózimo Bulbul, como um bem sucedido escritor negro, que tem um caso com uma jovem branca da classe média burguesa, interpretada por Renée de Velmond. A notícia do filme causou tamanho impacto que o lançamento só aconteceu em 1973, quatro anos após suas filmagens. 

Antunes Filho sai de cena como um dos diretores mais importantes do teatro brasileiro e em plena atividade com as montagens e estudos de seu CPT. Ainda localizado no Teatro do Sesc Consolação, fica o questionamento – levantado pelo dramaturgo Mario Viana – se não é hora de o Sesc rebatizar seu teatro. Antunes merece!

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