A Contribuição de Olavo

O astrólogo Olavo de Carvalho | Foto: Divulgação

Nessa semana fomos surpreendidos com a morte de Olavo de Carvalho (1947-2022), grande guru da nova direita e responsável pela formação da ala ideológica do Governo Bolsonaro. Numa busca rápida no Youtube, o primeiro vídeo que surge com o nome do teórico tem como título A Verdade Sobre a Pandemia.

Olavo defendeu, até seus últimos dias, que a Covid19 tratava-se de uma invenção comunista para barrar o capitalismo. Essa não foi a primeira vez que ele, que se auto intitula como mestre na retórica, defende algo absurdo ou que se coloca numa posição de salvador da humanidade diante de algum fato que somente ele, com sua mente genial, em seu pequeno escritório no interior dos Estados Unidos, seria capaz de saber.

Movido por grandes paixões, já foi do Partido Comunista, se apaixonou pela astrologia e se tornou um fervoroso conservador pautado no cristianismo, onde, então, atingiu seu notório poder.

Poder é a palavra que define sua relação com seus seguidores, através de uma relação absolutamente paradoxal em que se falava o tempo todo sobre questionamentos, porém galgado em uma situação de poder que era impensável que seus seguidores não o seguirem cegamente.

Na Cultura, tem contribuição direta com a onda anti-cultura que surge pouco antes de Bolsonaro se instalar no governo, diga-se de passagem uma das mais responsáveis por isso. É defensor do que ele chama de alta cultura, aquela focada na arte de grande apuro técnico.

Em forma de denúncia, o astrólogo construiu falácia atrás de falácia (era rei) para provar que a cultura brasileira estava a serviço de um golpe comunista e que qualquer artista ou pessoa que se manifestasse em favor da arte de forma progressiva tinha por trás de sua fala intenções profanas.

Um erudito, sem sombra de dúvidas, o autodenominado filósofo gastava seu repertório clássico e conservador em suas lives e cursos, mas no Youtube ficou mesmo famoso por alegar que a Pepsi usaria células de embriões humanos em sua fórmula, oferecer argumentos que pautaram de forma substancial a ideia de que a terra é plana, além de chamar personalidades notórias da ciência, como Newton, de burro.

Toda essa força dada a assuntos patéticos e feita de forma aparentemente embasada, foram as munições necessárias para o avanço do negacionismo que vivemos hoje.  O ataque aos métodos científicos já eram ambicionados e espalhados de forma discreta entre seus seguidores muito antes de Bolsonaro sequer pensar em se candidatar, mas eis que, por fenômenos sociais adversos, um grupo de iletrados e inaptos aos assuntos de importância pública chegam ao poder, a partir daí recorrer à ideia de que toda a esquerda e ciência estão submetidas a uma seita satânica e enganadora, passou a ser uma narrativa interessante.

Nomes como Ernesto Araújo e Abrahan Weintraub saíram de desconhecedores de processos políticos, educação e diplomacia, para gênios incompreendidos. Olavo e seus devaneios foram necessários demais a permanência do governo Bolsonaro, pode não espalhado, mas foi um grande fortalecedor da Mamadeira de Piroca.

Com a chegada da Covid19 seu negacionismo se acentuou como seita, mesmo diante de uma comunidade científica mundial mobilizada como nunca antes visto, Olavo batia na mesma tecla de estar acima de qualquer informação a respeito do vírus. Para o astrólogo, o vírus nunca existiu e sua vacina vinha repleta de mentiras e más intenções. Surgindo, através disso, um efeito cascata: muitos questionamentos acerca da vacina passaram a vir de outras fontes e ganhando força. Embasados, de forma muito conveniente, pelo próprio Presidente da República e políticos de extrema direita, muitas pessoas passaram a recusar a vacina, e isso se transformou em um problema.

Hoje, analisando seu legado, diante de tanto material por ele deixado, é impossível não reconhecer que Olavo estava certo quando dizia que a Cultura era capaz de transformar comportamentos, mas estava muito errado ao achar que precise ou possa ser regulada, como o que vem acontecendo pela mão de seus seguidores desde 2019. O máximo que vai acontecer é a provocação de um efeito mola e as próximas gerações poderão desfrutar de tudo o que está sendo hoje calado. A Cultura resiste a mentiras como as criadas por Olavo e terá que resistir ao seu legado, pois o paradoxo da cultura é que até aquilo que tanto fez por feri-la e abafá-la também colabora para cria-la.

Especialista em Acessibilidade Cultural, Bruna Burkert é atriz, dramaturga e produtora.
Ativista Cultural, amante do teatro de rua e da cultura periférica e inclusiva.

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