Após hiato, Velson D’Souza estreia musical sobre Silvio Santos e avalia “É um homem que reflete a sua geração”

Velson D'Souza | Foto: Marçal Sulzbach

Não tivesse, quase que por acidente, se apaixonado pelo teatro e, sobretudo, pelo cinema, talvez Velson D’Souza fosse hoje um entre tantos jogadores de futebol que, após percorrer caminho de brilho no Brasil, viveriam na Europa jogando por um clube estrangeiro e retornando ao país apenas quando convocado para uma Copa do Mundo. Mas quis o destino que o jovem paulistano enveredasse pelas artes.

Como ator, construiu trajetória de destaque no teatro paulistano e assumiu papéis de protagonismo na TV. Mas, numa reviravolta irônica, o ator fez suas malas e atravessou o continente para sedimentar carreira nos Estados Unidos, onde estrelou produções independentes, compôs o elenco de séries como Master of None, e firmou uma vida nova em Los Angeles.

Sua Copa do Mundo, contudo, chegou, e o ator, convocado, voltou ao Brasil para uma série de testes que confirmaram o que a diretora e dramaturga Marília Toledo já desconfiava quando o convidou para audicionar aos produtores da Paris Cultural, o braço teatral da Paris Filmes: Velson D’Souza era a figura ideal para dar vida ao apresentador Silvio Santos em musical biográfico agendado para chegar aos palcos em 2020.

Anunciado como a estrela de Silvio Santos Vem Aí – O Musical, o ator ganhou projeção maior do que a que conquistara quando despontou como a estrela de novelas como Revelação, Cristal e Vende-se um Véu de Noiva, no SBT. O espetáculo estreou no dia 13 de março, mas, em outra reviravolta inesperada, teve sua carreira interrompida graças à primeira pandemia do novo milênio, que desencadeou uma crise sanitária e política ao redor do mundo.

“Faz tanto tempo que foge até da memória tudo o que aconteceu”, relembra. “Quando paramos foi aquela pausa estratégica, sem saber o que ia acontecer. Isso era em 14 de março. Aí pensamos: voltamos em abril. Depois em maio, em julho, outubro, janeiro, fevereiro…”

Passou-se um ano e sete meses e, durante o período de isolamento social, a vida do ator ganhou novos contornos. Com vida construída em Los Angeles, Velson precisou adotar o isolamento no Brasil e, uma coisa leva à outra, assumiu trabalhos diversos e até um relacionamento, que fez com que suas raízes ficassem com mais força em solo tupiniquim.

“Eu tinha uma vida me esperando lá fora, mas pensava que isso ia ser passageiro e tudo bem. E é interessante, porque isso de ficar confinado, no começo pensei que teria todo o tempo do mundo, então comecei a fazer projetos, fui malhar, aproveitar um tempo precioso… mas aí passou menos de um mês e eu já não aguentava mais. Sou muito hiperativo quanto ao trabalho. Quando eu gravava novela, fazia faculdade e quatro espetáculos. Sempre fiz muita coisa ao mesmo tempo”.

A hiperatividade produtiva rendeu ao artista pelo menos quatro novas investidas. A primeira, uma websérie pensada para manter o elenco e parte da equipe do musical em franco movimento. Nasceu então Home Office, produto que, de tão bem recebido, entrou no catálogo do serviço de streaming da Amazon.

Em paralelo, o ator criou cinco temporadas de uma série ao lado do dramaturgo e roteirista Emílio Boechat, que já vem ganhando espaço no mercado, ainda que não tenha contrato com nenhuma plataforma firmado; outra investida foi finalmente tirar do papel o antigo desejo de ministrar  um curso no qual passaria adiante os ensinamentos que angariou no mercado do audiovisual norte americano.

“Eu fui de estar sem fazer nada para trabalhar 14 horas por dia com produção, direção, roteiro, atuando e trabalhando essa ideia de ministrar um curso com as técnicas que aprendi no mestrado, nos Estados Unidos. Eu não imaginava que ia acontecer, mas foi legal tirar isso de mim. A pandemia foi a pior coisa possível, mas consegui essas oportunidades que me mantiveram atuante”, analisa

Agora, com o avanço da vacinação em praças como São Paulo e Rio de Janeiro, o mercado do teatro musical volta a se aquecer e espetáculos retomam suas produções e temporadas interrompidas. Após três únicas sessões, Silvio Santos – O Musical volta a abrir as cortinas no palco armado no 033 Rooftop do Teatro Santander a partir de amanhã, 15.

Para Velson, a retomada do espetáculo é também a chance de estabelecer um contato com a plateia de forma leve, a fim de aliviar o peso de um ano e sete meses do momento mais crítico da sociedade moderna. “É um espetáculo que ficou muito mais bonito do que pensei que ficaria. É divertido, leve, você vai pra sorrir, pra cantar com o elenco. É claro que você se emociona com a história do cara, mas se diverte”.

Velson D'Souza em Silvio Santos Vem Aí - O Musical | Foto: Andy Santana
Velson D’Souza em Silvio Santos Vem Aí – O Musical | Foto: Andy Santana

Viver o apresentador e showman brasileiro mais conhecido do país já seria um desafio para qualquer ator, mas Velson toma o projeto como uma conquista pessoal a ser batalhada. “O mais desafiador é encará-lo como o ser humano, não a personagem. Eu convivi com ele diariamente nos estúdios do SBT por alguns meses, e ele tem o showman dele, que faz brincadeiras, faz uma piada ou outra que reflete a geração e quem ele é, um homem de 90 anos de idade, e nos bastidores é o cara mais respeitoso que já vi, generoso”, relembra o ator que via o apresentador pedir opiniões sobre o quadro que participavam juntos.

“No auge dos meus 26 anos de idade, que opinião eu poderia dar a um homem de mais de 80 anos sobre fazer televisão. Era esse tipo de homem generoso com quem eu convivia, e lendo sobre a história dele, vemos o tanto de gente que ele ajudou, além de ter sido um visionário, é uma figura quase mitológica, quase nessa esfera de uma lenda. É ver o tanto de empregos que esse homem criou desde que assumiu a televisão. Ele saiu do nada e criou um império”.

“Como ator, preferi abordar toda a trajetória dele e o que o torna humano, quais as dificuldades, o que foi que tocou o ser humano Silvio Santos, o que o mudou, o que o transformou como ser humano. Foram as dificuldades que tornaram ele o que é, e é o que acontece, as nossas dificuldades, os nossos tombos, nos transformam no que nós somos hoje”, analisa.

A admiração e o respeito pelo apresentador/ personagem, entretanto, não impedem que o ator faça uma análise mais aprofundada das polêmicas que o cercaram na última década, que esbarra diretamente no posicionamento político que o ator assumiu ao longo do período de pandemia, fosse se posicionando contra a (falta de) política de combate do governo federal ao vírus, fosse analisando a desastrosa debandada de Donald Trump da Casa Branca após perder as eleições para o democrata Joe Biden.

“Dei alguns passos nessa direção e percebi que posso prejudicar muitas pessoas que não só a mim. Quando eu perceber que tenho algum ônus ou bônus em relação a meu posicionamento político que só interferirá a minha pessoa, eu passo a ser mais ativo em relação às minhas críticas a qualquer tipo de governo. Eu tenho, sim, o meu posicionamento e os amigos próximos sabem bem, mas eu tenho um cuidado muito grande, porque hoje está tudo oito ou oitenta”.

E segue: “O ser humano é complexo, e eu não acredito que as pessoas sejam 100% más ou boas, isso até numa abordagem de personagem é muito ruim. Acredito que sim, existe um mau caratismo generalizado, mas acho que estamos intolerantes enquanto sociedade e eu entendo essa intolerância, porque a partir do momento que a gente tolera o intolerante, o que estamos fazendo? Durante a pandemia me posicionei muito firme para algumas atrocidades que vi, mas acho que nós temos uma responsabilidade quando nos dão um microfone, um autofalante, e vamos dialogar com o mundo, o Brasil, as pessoas, temos uma responsabilidade. Não podemos falar qualquer coisa, simplesmente dar nossa opinião”.

“Nossa opinião legitima certos atos, então eu vejo que há uma irresponsabilidade nos atores políticos, que têm uma falta de cuidado com o quanto a palavra pode interferir nas ações de outras pessoas. Nos Estados Unidos vimos isso, um ataque direto à democracia e o ator político que não foi punido. Ou seja, eu tento não me posicionar completamente neste momento porque tenho uma responsabilidade muito grande em relação a um espetáculo e a outras pessoas, a uma produção, mas o que eu faço na minha vida vai de encontro a algo muito correto, e é isso o que importa”, explica.

Com (curta) temporada que se estende até novembro, Silvio Santos Vem Aí – O Musical conta com outras estrelas do quilate de Bianca Rinaldi e Ivan Parente, entre nomes fundamentais dentro do teatro musical moderno, e é justamente este trabalho em conjunto que interessa ao ator, que enxerga na obra muito mais uma oportunidade de destaque para futuros trabalhos do que necessariamente um divisor de águas em sua trajetória.

“Não vou para o lado da vaidade ou da popularidade, mas da honra que é ser o ator escolhido para esse papel. Eu não me preocupo com a vaidade do fato de ser eu fazendo o Silvio Santos, o que eu sempre quis era trabalhar com o que eu amo, com teatro, fazer meus projetos. O que eu quero mesmo é poder ter espaço para trabalhar com os projetos que virão”, garante.

Em seus planos está ainda uma recém-anunciada montagem de Macbeth dirigida por Dani Stirbulov. O elenco será (a princípio) formado apenas por atores, enquanto toda a equipe técnica e de criação será tocada por mulheres.

“Claro que eu adoraria que esse espetáculo me desse a oportunidade de fazer outros trabalhos, é menos sobre a vaidade, menos sobre a popularidade e mais pensando nos trabalhos que podem surgir, nas oportunidades de fazer aquilo que eu amo, fazer os meus projetos. Eu nunca tive isso de ter que ser famoso, ter que estar em tal emissora, eu só queria trabalhar como ator, e hoje quero trabalhar como ator, roteirista, diretor, independente de onde”.

Silvio Santos vem Aí – O Musical cumpre temporada de 15 de outubro a 21 de novembro no 033 Rooftop do Teatro Santander, em São Paulo. Com roteiro assinado por Emílio Boechat e Marília Toledo (que assina a direção ao lado de Fernanda Chamma), as sessões acontecem de sexta-feira a domingo, às 20h30 (sextas) e com sessões duplas aos sábados (15h30 e 20h30) e domingos (15h e 20h). Os ingressos custam de R$ 75,00 a R$ 180,00.

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