Stella Maria Rodrigues se reinventa como dramaturga e produtora: “audições raramente convocam atores acima dos 50”

Stella Maria Rodrigues | Foto: Divulgação

Atriz considerada por público e (principalmente) crítica como uma das melhores de sua geração, Stella Maria Rodrigues tem em seu currículo uma série de espetáculos e indicações a prêmios que apenas endossam as impressões colhidas ao longo de quase 40 anos de carreira.

A atriz fez parte da primeira turma a buscar a revitalização do teatro musical no Brasil, alinhou parceria com a dupla de diretores Charles Möeller e Claudio Botelho, passou pela TV, pelo cinema, se aventurou como produtora de seus espetáculos, e agora adiciona um novo título a sua carreira: o de dramaturga.

“Ainda é assustador quando alguém me chama de autora. Tudo é muito novo, frágil”, garante a atriz que assinou seu primeiro texto, Quebrando Regras, neste ano de 2019. Em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Rio de Janeiro, onde cumpre temporada até esta quarta-feira, 26, o espetáculo coloca duas amigas em frente ao Maracanã tentando entrar naquele se tornaria um dos shows mais icônicos da cantora norte americana Tina Turner.

“Durante os ensaios do musical Romeu e Julieta ao Som de Marisa Monte, a Kacau [Gomes] me falou sobre o desejo de fazer um espetáculo com canções da Tina. Eu falei pra ela fazer um show, mas ela queria uma dramaturgia”, conta a autora que atendeu ao pedido da amiga e começou a gestar um monólogo rapidamente transformado num espetáculo para duas atrizes, que ganharam ainda a força de um ator.

No musical, Kacau Gomes divide a cena com Evelyn Castro, atriz mais conhecida por participações no canal Porta dos Fundos, mas que também guarda passagens pelo teatro musical, em espetáculos como Tim Maia – Vale Tudo, Cássia Eller – O Musical e Vamp – O Musical, e com Saulo Segreto que, com passagens pelo audiovisual, deu vida ao playboy Jorginho Guingle em cinebiografia ainda inédita.


Quebrando Regras | Foto: Dan Coelho

O espetáculo, sob a direção de João Fonseca, é apenas uma das incursões de Stella Maria Rodrigues fora de sua zona de conforto como atriz. A profissional também decidiu se lançar produtora. 

“As audições raramente convocam atores acima de 50 anos. Então vamos produzir! E eu me tornei produtora. Isso muda a nossa vida, principalmente por me tornar dona do meu trabalho”, garante a atriz, que confessa: “Eu tinha muito medo de não saber produzir, é bem difícil, mas é sensacional. Acho que todo ator precisa passar por isso, principalmente agora. É essencial pro teatro se manter vivo nesse momento”.

A atriz, que se posicionou politicamente contra o presidente eleito Jair Messias Bolsonaro (PSL) enxerga o país em um momento difícil. “É duro. Eu não entendo um país sem cultura, sem memória, sem investimento pesado em educação. No Rio de Janeiro, acho que a coisa piora pelo aumento da violência. Não tenho patrocínio. É difícil formar plateia se as pessoas tem medo de sair de casa”, contextualiza, deixando claro o lugar que a classe artística parece ocupar no novo governo.

“É cansativo ter que explicar a cada momento que não somos ‘mamadores’ de teta de governo nenhum. Não sou vagabundo. Trabalho muito, sempre trabalhei com honestidade, e exijo respeito!”, brada.

Com uma carreira prestes a completar 40 anos em atividade, a atriz garante que já pensou em desistir “várias vezes, como muitos colegas”, mas nunca conseguiu. Aluna que fugiu das aulas de anatomia do curso de ciências biológicas da UniRio, onde passou em primeiro lugar, para fazer teatro, Stella atendeu ao chamado de uma veia que pulsava desde que era criança, quando imitava as personagens da série infantil Vila Sésamo  em casa, ou quando cantava e dançava, ou se aventurava no teatro amador na escola.

“Tenho muito orgulho desses anos todos estudando e vivendo em cima desse tablado. Já fiz espetáculos lindos, alguns não tão lindos, alguns ruins, até; mas sempre com muita dignidade. Renato Russo cantou ‘disciplina é liberdade’, e eu acredito nisso. Trabalho, repetição, mais trabalho, errar, tentar fazer coisas diferentes, se desafiar”.

Stella Maria Rodrigues | Foto: Divulgação
Stella Maria Rodrigues | Foto: Divulgação

E o desafio veio em forma de um convite muito especial em 2019, através do diretor Charles Möeller, dois anos após iniciar uma bateria de espetáculos de muita popularidade no Rio de Janeiro (Solteira, Casada, Viúva e Divorciada, Emilinha e Romeu e Julieta ao Som de Marisa Monte). “O Charles me escreveu assim: Gostaria de ser minha Linda? Quase morri!” se diverte ao se referir ao convite para viver Linda Porter, ex-esposa do compositor norte americano Cole Porter, no espetáculo Cole Porter – Ele Nunca Disse que me Amava.

A emoção tem sentido de ser. Stella fez parte do elenco original do espetáculo, que estreou em 2000 e consagrou a dupla de diretores no teatro musical brasileiro. Há 19 anos, o papel de Linda era vivido por Ada Chaseliov, atriz de suma importância para o teatro carioca que construiu parceria sólida com Möeller & Botelho, se tornando uma espécie de diva do teatro musical nacional.

“Ada sempre foi uma amiga querida, com aqueles olhos da cor do mar, aquela voz de veludo e um humor delicioso! Queria fazer uma homenagem à altura. Fazer juz a elegância que ela dava a Linda”, contextualiza a atriz, que arremata: “Sinto saudade. Espero que ela sinta esse amor”. Sobre o espetáculo original, a atriz guarda as melhores lembranças “Foi um dos momentos mais maravilhosos da minha vida. Amigos da vida inteira nasceram ali”. Mas não esconde os desafios desta remontagem.

“Eu acho que Linda Porter hoje continua sendo um exemplo de dignidade, amor, dedicação, inteligência e delicadeza. Foi difícil pra mim, com toda essa latinidade, essa energia tropical”, e finaliza com uma declaração de amor: “Espero honrar esse espetáculo que eu amo e nossa amiga querida”.

Cole Porter – Ele Nunca Disse que me Amava | Foto: Daniel Coelho

Cole Porter – Ele Nunca Disse que me Amava cumpre curtíssima temporada no Teatro Porto Seguro, no Bom Retiro, zona central da cidade. No espetáculo, a atriz volta a trabalhar com os diretores Charles Möeller e Claudio Botelho, mas não esconde o orgulho de já ter trabalhado com muitos dos grandes de sua geração, e também com nomes novos no mercado.

“[A peça] Solteira, Casada, Viúva, Divorciada foi dirgida pelo Alexandre Contini, um diretor jovem e muito talentoso, só eu e ele ensaiando, foi delicioso. Já Emilinha foi dirigido pela Sueli Guerra, uma artista incrível! Uma mulher inteligente, sensível que deu ao espetáculo um perfume delicioso”, pontua a atriz que diz ter vontade ainda de trabalhar com muitos diretores, sem nomear nenhum. “Tenho de trabalhar sim, com vários diretores, com todos!”, diz, marota

Em seu currículo, tem uma série de passagens pelo teatro musical, inclusive, sendo a principal atriz a receber confiança para substituir atrizes de fama popular, como Suzana Vieira (no musical Barbaridade) e Susana Ribeiro (no musical Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz). A única coisa que a atriz não pretende fazer é parar. Já está em desenvolvimento com um novo texto dramatúrgico e segue se aperfeiçoando.

“Eu vivo em pesquisa . Procurando personagens e histórias pra fazer quando tiver 60 anos, 70… quem sabe 80”, e garante ainda ter um sonho: fazer o musical Follies, de Stephen Sondheim. Mas, até lá, segue produzindo e fazendo do palco sua casa, deixando o planos para o futuro no futuro. “São tantas possibilidades”, finaliza.


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