Com protestos anti-Bolsonaro e homenagens póstumas, Prêmio Bibi Ferreira tropeça, mas concretiza grandiosidade da cerimônia

Alessandra Maestrini e Miguel Falabella em número de abertura da oitava edição do prêmio; P| Foto: Lucas Ramos | AG Newsrotestos contra Bolsonaro ditaram a noite | Foto:

Realizada na noite desta quarta-feira, 20, no palco do Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, a oitava edição do Prêmio Bibi Ferreira concretizou as expectativas de seu idealizador e produtor, Marllos Silva, de posicionar a cerimônia como um dos principais eventos de confraternização da classe teatral, mas também, e principalmente, o grande acontecimento que deu o pontapé da retomada após a paralisação causada pela crise sanitária da pandemia do Coronavírus.

É inegável que o evento angariou pompa e circunstância ao contar com a presença e discurso do prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que, apesar de tom protocolar e derrapadas acerca de reconhecimento do setor cultural, emprestou certo ar cerimonioso à noite.

Ainda que protocolar, a presença do prefeito também sublinhou o tom político da noite, que, desde seu número de abertura, até os agradecimentos finais, contou com protestos e críticas ao governo de Jair Messias Bolsonaro (Sem Partido), seja acerca de sua política desastrosa anti-vacinação, seja pelo desmonte promovido por sua gestão à pasta e a assuntos relacionados à cultura das artes.

Entretanto, o que realmente pautou a celebração foi a comemoração da retomada do mercado da cultura das artes e os espetáculos que voltaram aos palcos. Nascido como um prêmio dedicado exclusivamente ao teatro musical, o Bibi Ferreira ainda nada de braçada neste mercado, enquanto busca relevância enquanto premiação voltada à linguagem não-musical.

A primeira metade da premiação realmente pareceu sedimentar o diálogo com a classe teatral, ao premiar Iuri Saraiva e Martha Meola nas categorias de ator e atriz coadjuvante, respectivamente, por seus trabalhos no drama Jardim de Inverno, sob a direção de Marco Antônio Pâmio.

Contudo, à medida que as estatuetas eram entregues (veja os indicados e vencedores aqui), o sentido comercial pareceu sublinhar a premiação, que, em escolha inexplicável, premiou o exmaecido texto de Alma Despejada, de Andréa Bassit, em detrimento do drama O Ovo de Ouro, concepção de Luccas Papp sobre os sonderkommando, figuras históricas do regime nazista. Na mesma categoria concorria o texto da irregular comédia política Mãos Limpas, de Juca de Oliveira.

Só mesmo o fato de a regra para elegibilidade para peças de teatro exigir que uma produção cumpra 20 apresentações em um teatro de 400 lugares pode explicar, por exemplo, a indicação de obras como Mãos Limpas e Alma Despejada em uma premiação que contou, à risca, com apenas seis produções indicadas em suas 10 categorias.

O caráter comercial (e a falta de outros concorrentes, seja por questões de elegibilidade, seja pela crise sanitária que paralisou o mercado cultural ao redor do mundo) são as únicas explicações para que obras como Mãos Limpas, Alma Despejada e o esmaecido drama Jardim de Inverno concorressem em tantas categorias principais (e torna ainda mais inexplicável que obras como O Inoportuno não tenham tido fôlego para ser indicado a Melhor Espetáculo).

Ao desbancar Marjorie Estiano e Andréa Horta, Irene Ravache, vencedora por sua performance no solo Alma Despejada, ganhou premiação por obra de entressafra. Mas, verdade seja dita, nenhum dos espetáculos deu às atrizes grandes performances.

A categoria de melhor ator, por outro lado, surgiu mais equilibrada. Sérgio Mamberti (1939-2021) e Tarcísio Meira (1935-2021), de fato, fizeram dois grandes trabalhos em O Ovo de Ouro e O Camareiro, assim como Cássio Scapin e Daniel Dantas angariaram um de seus melhores momentos em cena (assim como Ulysses Cruz, concorrendo com Marco Antônio Pâmio e Monique Gardenberg, fez trabalho bonito na obra protagonizada por Meira).

Contudo, se o prêmio ainda precisa de ajustes para se estabelecer de fato dentro do cenário teatral, no mercado dos musicais a cerimônia já está mais do que sedimentada como o principal prêmio do gênero. E, por isso, a noite de 20 de outubro inflamou torcidas a favor dos espetáculos Escola do Rock e Chaves, Um Tributo Musical.

As obras saíram vitoriosas da noite. A franquia americana levou cinco estatuetas, entre elas a de Melhor Musical, (inacreditavelmente) desbancando obras como A Cor PúrpuraO Musical e Pippin

O musical de Andrew Lloyd Webber, baseado no filme homônimo de 2003, angariou ainda os prêmios de Melhor Versão, para Mariana Elisabetsky e Victor Mületahler, Melhor Direção Musical para Daniel Maia, Melhor Direção para Mariano Detry e Melhor Desenho de Luz para Mike Robertson, desaguando em discurso constrangedor do produtor Vinicius Munhoz, da Ateliê Produções.

Chaves, Um Tributo Musical saiu igualmente com cinco estatuetas: Melhor Musical Brasileiro, Melhor Roteiro Original para Fernanda Maia, Melhor Ator em Musicais, para Mateus Ribeiro, Melhor Atriz Coadjuvante para Carol Costa, Melhor Ator Coadjuvante para Diego Veloso.

A vitória de Letícia Soares na categoria Melhor Atriz, contudo, foi o ponto fora da curva. Único prêmio levado pelo drama A Cor Púrpura, o de atriz em papel principal sagrou o (excelente) trabalho da artista fluminense e inflamou críticas nas redes sociais.

Entretanto, apresar de pesares, a cerimônia serviu de bonita prévia para futuros espetáculos, entre eles Chicago e West Side Story, que chegam aos palcos em 2021, além de preparar terreno para obras como Silvio Santos Vem Aí – O Musical, Donna Summer – O Musical, Barnum – O Rei do Show e Conserto para Dois, que devem, até o momento, liderar as indicações da próxima edição.

Com encerramento anticlimático, a oitava edição do Prêmio Bibi Ferreira se sagrou como o principal prêmio do teatro musical de São Paulo e, de certa forma, do Brasil, mas ainda se debaterá para sedimentar caminho dentro do teatro não musical, mas é um caminho que, a depender dos planos de seu idealizador, não deverá ser problema nos próximos anos.

O Prêmio Bibi Ferreira é idealizado e produzido por Marllos Silva sob a produção geral de Carina Gregorio e Lior Berlovich e direção de Rogério Matias com letra original de Daniel Salve no número de abertura. O comitê de nomeação é formado por Charles Dalla, Fabiana Seragusa, Jamil Dias, Luiz Amorim, Miguel Arcanjo Prado e Ubiratan Brasil.

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