Crescimento de casos de Covid e falta de posicionamento do governo causam insegurança no setor cultural

Crescimento de casos de Covid e falta de posicionamento do governo causam insegurança no setor cultural

Em meados de abril, quando a pandemia do novo Coronavírus exigiu o fechamento de equipamentos culturais em São Paulo como meio de incentivar a quarentena preventiva de contenção ao vírus, uma série de produções enfrentou uma desestabilização nas contas e no planejamento financeiro, o que causou uma alta sem precedente de desemprego no setor artístico.

Embora ações como o projeto #EmCasacomoSesc, da rede Sesc São Paulo, e plataformas como #CulturaemCasa, da Secretaria Estadual da Cultura, tenham buscado dar sobrevida artística e (até) financeira a parte da classe teatral, a grande maioria dos artistas ficou a ver navios, dependendo de bilheterias desidratadas de espetáculos transmitidos online online e na política do “pague o quanto puder”.

Entretanto, com a liberação da fase verde na capital paulista, promovendo um afrouxamento das medidas de isolamento, espaços culturais reabriram suas salas, promovendo um retorno de parte da agenda cultural presencial, fazendo com quem produções não apenas retomem o tempo perdido, mas tentem gerar lucro para cobrir as dívidas e o rombo financeiro, resultado de seis meses de congelamento do mercado.

Espaços como Teatro J. Safra, Teatro das Artes, Teatro Santo Agostinho, Teatro União Cultural, Teatro Maria Della Costa, Teatro Alfa e Teatro Fernando Torres abriram as portas cumprindo regras de distanciamento e proteção exigidas por órgãos especializados e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mesmo a adesão do público tem superado as expectativas de produtores  gestores de equipamentos culturais.

“Ficamos muito satisfeitos com o retorno do público que tem elogiado muito a conduta do teatro e equipe de recepção em função da forma criteriosa que estamos seguindo os protocolos e a ampliação de cuidados considerando nossa estrutura específica. O Teatro se tornou um lugar seguro, comparado com outros locais. E a população já começa a perceber”, explica Eduardo Figueiredo, gestor do Teatro J. Safra e sócio da produtora Manhas e Manias.

O receio que se instala, entretanto, é a do retorno da adoção de ações mais rígidas de combate a pandemia, que voltou a atingir índices altos de internação no Estado de São Paulo. Um retrocesso na fase da quarentena poderia significar um novo fechamento de teatros e espaços culturais, o que, para Figueiredo, pode ser uma situação ainda mais difícil.

“Tivemos ótimas experiências com as transmissões online, ao vivo no teatro. No caso de uma nova perspectiva de quarentena, acho que é a única opção possível. Mas o fato que os teatros fazem parte de uma cadeia econômica. São inúmeras pessoas, além de artistas e técnicos, impactados com o fechamento dos teatros. Tem desde o transporte (um uber ou táxi), o pipoqueiro e o estacionamento na porta… até a pizzaria após a sessão. Uma nova quarentena compromete essa cadeia. É uma situação difícil para todos!

Parecido pensa a atriz e produtora Gal spitzer, que, tão logo foi anunciada fase verde, reestreou sua comédia Ex Bom é Exumado no Teatro Santo Agostinho, onde cumpria temporada com casa cheia antes da pandemia. 

“Nós, produtores sérios, juntamente com administradores de teatro sérios, estamos cumprindo todas as normas,  respeitando e sendo responsáveis com a saúde do nosso público, nossos colaboradores e a nossa própria. Eu vejo muita coisa errada por aí. A maioria da população está vivendo vida normal e sendo completamente relapsa com a situação. Bares lotados, transporte lotado. E a fiscalização dessas coisas? E a consciência coletiva?”

Havendo a necessidade e um novo fechamento, contudo, Spitzer garante que a situação pode se agravar para produtores menores. “Se houver um novo fechamento, simplesmente ficarei até sem casa pra morar. Estou preocupadíssima! Por mim, pelas pessoas que trabalham comigo, pelo teatro onde trabalho e por tantos colegas que estão na mesma situação. Sendo responsáveis e possivelmente sendo os primeiros a serem punidos injustamente”.

Parecido pensa a produtora Val Keller, responsável pela gestão do espetáculo A Banheira, em cartaz no Teatro Maria Della Costa que receia um novo fechamento pela falta de um plano B e de tempo hábil para traçá-lo. “Seria muito triste se tivéssemos que parar novamente. Não tem plano B, nosso trabalho depende do público.E ter que parar de trabalhar, seguindo todas as recomendações de segurança, sabendo que fazemos tudo pra deixar no público seguro, por causa da irresponsabilidade de pessoas que se acham acima da pandemia, seria extremamente triste. E complicado para todos se manterem”.

Parte desta insegurança se dá pelo fato de, frente às notícias de crescimento de internações por casos de Covd-19 no Estado e na cidade de São Paulo, não haver um posicionamento claro do governador do Estado João Dória (PSDB), que pretende divulgar novas diretrizes para o Estado apenas no dia 30 de novembro, um dia depois das eleições municipais em segundo turno, onde concorre na capital Bruno Covas (PSDB), não à´toa seu afilhado político.

Por hora, o único plano de algumas das produções que retornaram aos palcos neste final de 2020 é voltar ao universo online, como éo caso do Universo Casuo, de Marcos Casuo. “Não sei dizer se o segmento de eventos seria capaz de suportar mais uma paralisação.É importante lembrar que o setor de eventos, apesar das liberações relativas a fase do plano de retomada em que estamos, ainda não conseguiu iniciar a sua retomada, ou seja, ainda estamos sofrendo com as consequências da primeira paralisação. Para muitas empresas e profissionais autônomos, essa paralisação já acumula oito amargos meses e, em muitos casos, não possuem data definida para término”, diz Casuo.

“Pensando nisso, desenvolvemos uma série de produtos para atender a demanda dos eventos a distância, que vão desde o fornecimento de um local apropriado e seguro para captação e transmissão de imagens e demais conteúdos audiovisuais, passando pelo fornecimento de toda a estrutura técnica necessária para isso, até o desenvolvimento de ações artísticas e motivacionais específicas para o formato de evento a distância, sendo ele ao vivo, ou gravado. Com o desenvolvimento desses novos produtos, acreditamos que conseguiremos atender as demandas dos clientes corporativos e manter a empresa economicamente ativa ao longo de toda a quarentena”, finaliza o produtor.

Embora esta possibilidade exista, contudo, levar espetáculos para o online não faz parte do plano de todos os espetáculos, entre eles a comédia Mãe Fora da Caixa, protagonizada por Miá Mello e produzida por Carlos Grun, que vê num possível novo fechamento uma continuidade do prejuízo que assumiu nos últimos meses. “Desde o início optamos por não trabalhar com novos formatos (drive in, on line ) por entendermos que o presencial é a única maneira para o nosso espetáculo. Isso nos custou caríssimo, afinal conseguimos manter a equipe recebendo e se precisarmos repetir, faremos todo o esforço possível para que ninguém fique desamparado. Prejuízo econômico já é a nossa realidade há meses”.

Sem aventar para um plano de contenção ou recuperação da classe artística caso se faça necessária a adoção de um segundo lockdown, a Prefeitura de São Paulo anunciou a injeção de R$ 20 milhões de recursos próprios para atender projetos que tiveram resultado de suplência nas inscrições da Lei Aldir Blanc.

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