Dama da serenidade, Nicette Bruno sai de cena aos 87 anos vítima da Covid-19

Nicette Bruno na peça Perdas e Ganhos - Foto: Divulgação

Saiu de cena na manhã deste domingo, 20, a atriz Nicette Bruno vítima de complicações da Covid-19 após ser infectada pelo Coronavírus. A artista tinha 87 anos e não resistiu a um quadro de pneumonia causada pela Covid. A atriz estava internada na Casa de Saúde São José, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro desde o dia 30 de novembro. 

Natural da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, e filha da atriz Eleonor Bruno (1913-2004),  Nicete Xavier Miessa completou neste 2020 75 anos de carreira artística contados a partir de 1945, quando estrelou a adaptação do Teatro Universitário para o clássico Romeu e Julieta, de William Shakespeare (1564-1616), ao lado de nomes como Sérgio Britto (1923-2011) e Sérgio Cardoso (1925-1972).

Em 1947, ano que considerava sua estreia profissional, recebeu a Medalha de Ouro de Atriz Revelação pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT) por seu desempenho em A Filha de Iório, do poeta italiano Gabriele D’Annunzio (1863-1938) sob a direção e produção de Dulcina de Moraes (1908-1996) e sua companhia, onde Nicette permaneceu encenado obras como Dias Felizes (1947), Já é Manhã no Mar (1947), Trevas Ardentes (1948), Anjo Negro (1948), Fausto (1949) e Alegres Canções nas Montanhas (1950) até 1952, quando formou seu Teatro de Alumínio, que, dois anos depois, seria a sede de sua companhia, Teatro Íntimo Nicette Bruno.

Foi no Teatro de Alumínio, com a encenação de Senhorita Minha Mãe, do dramaturgo francês Louis Verneuil (1893-1952), que a atriz conheceu Paulo Goulart (1933-2014), ator e diretor que foi seu principal companheiro tanto na vida quanto no trabalho ao longo de 60 anos.

Ao lado de Goulart, Nicette não só tocou sua companhia até meados dos anos 1960, quando se mudaram para Curitiba para desenvolver trabalho em parceria com a Escola de Teatro do Guaíra, e com o Teatro de Comédia do Paraná em sua fase áurea (de 1962 a 1966), como também deu à luz três filhos: Bárbara Bruno, Beth Goulart e Paulo Goulart Filho, todos atores celebrados.

Com uma carreira premiada no teatro (a atriz recebeu honrarias do quilate do Molière, em 1975, o APCA em 1998 e o Shell também em 1998), Bruno foi um dos principais nomes da TV brasileira, tendo gravado seu nome e sua imagem na memória do público em diferentes fases da teledramaturgia, sendo um de seus papéis mais icônicos os da avó Dona Benta, no remake da série infantil Sítio do Pica-Pau Amarelo, baseada na obra homônima de Monteiro Lobato (1882-1948), exibida pela Rede Globo em 2001.

Entre suas personagens mais icônicas na teledramaturgia, é possível destacar também nomes como a rabugenta Ofélia, em Alma Gêmea (2006), de Walcyr Carrasco, quando construiu triângulo hilário com Fúlvio Stefanini e Neusa Maria Faro e, claro, a Dona Lola, da versão original da telenovela Éramos Seis, de Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho (1945-2019) baseado no romance homônimo de Maria José Dupré (1898-1984) e exibido na Rede Tupi em 1978.

Incansável, a atriz passou seus últimos anos no palco. Em 2014, após a morte de Paulo Goulart, vítima de um câncer renal, a artista viveu seu luto em cena com a montagem do monólogo Perdas e Ganhos, baseado no livro homônimo da ensaísta gaúcha Lya Luft sob a direção de sua filha, Beth Goulart. 

Dois anos depois, em 2016, aos 83 anos, deu vida à atriz Blanche Hudson na adaptação teatral do thriller O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, de Henry Farrell (1920-2006), montado no Brasil sob a direção de Charles Möeller e Claudio Botelho. Bruno deu vida à personagem defendida por Joan Crawford (1904-1977) no cinema, dividindo a cena com a amiga Eva Wilma, no papel de Jane Hudson.

Em 2018, aos 85 anos, voltou aos musicais 30 anos após dar vida à cantora Dircinha Batista (1922-1999) em Somos Irmãs, ao lado de Suely Franco. Também sob a direção da dupla Möeller & Botelho foi um dos destaques da temporada carioca de Pippin, de Stephen Schwartz, defendendo o papel que deu um Prêmio Tony à Andrea Martin no revival de 2014 na Broadway.

Em 2020, teve a excursão da comédia Quarta-Feira, sem Falta, lá em Casa, de Mário Brasini (1921-1997), interrompida devido a pandemia do novo Coronavírus. A atriz repetia a dobradinha com a amiga Suely Franco, substituindo Eva Wilma na comédia dirigida por Alexandre Reinecke.

Nicette Bruno sai de cena sem deixar dúvidas de ter sido uma das maiores atrizes da história do Brasil e, mais que isso, uma artista que conseguiu estabelecer em suas personagens uma marca de serenidade. Mesmo quando interpretou vilãs – como no supracitado O Que Terá Acontecido a Baby Jane? -, conseguia usar a característica a seu favor na construção de uma personalidade que beirava o sadismo.

Título conferido por Nelson Rodrigues (1912-1980) a Fernanda Montenegro, “Musa Sereníssima” caberia perfeitamente à personalidade de Nicette Bruno, atriz que foi imensa e deixa legado indispensável para entender um pouco da evolução do teatro patropi. 

Notícias relacionadas