História de Elza Soares ecoou no teatro com a mesma força de sua voz tamanha

Elza Soares | Foto: Divulgação

A história de vida de Elza Gomes da Conceição Soares (1931-2022) não apenas poderia como já rendeu uma série de roteiros que, se não foram transmitidos na tela do cinema ou do teatro, ao menos viram acender a luz do refletor mais de uma vez. 

No teatro, Elza Soares ganhou uma série de homenagens ao longo dos anos, não apenas pelo legado que construiu durante mais de 70 anos de trajetória artística, mas por se manter sempre atenta aos sinais que o tempo lhe dava, e absorvê-los com o mesmo apetite que fez com que a jovem de uma favela no bairro de Padre Miguel, zona norte do Rio de Janeiro, lavadeira e já com filhos a sustentar, encontrasse na música sua principal fonte de renda e de vida.

Foi essa gana que fez com que uma invertida em Ary Barroso (1903-1964) fizesse dessa uma das artistas mais respeitadas pelo compositor. É sabida a história de Elza e Ary, que originou a clássica expressão Planeta Fome, que deu título a seu último disco de estúdio, lançado há três anos. 

Pois foi tendo esse planeta fome no radar que Elza Soares se manteve em diálogo direto com seu tempo, seja enquanto cidadã e figura de importância social, seja como cantora que abocanhou o título de Voz do Milênio pela BBC de Londres na virada do século XXI.

Essa voz milenar cantou samba como nenhuma outra artista havia cantado até então, com os scats do jazz e angariando o respeito e a admiração de nomes como Louis Armstrong (1901-1971) e Ella Fitzgerald (1917-1996), além de ser a responsável por lançar no mercado compositor do quilate de Jorge Aragão, e andar na crista do rock ao gravar artistas como Cazuza (1958-1990) e Lulu Santos.

Da clássica MPB ao hip hop, passando pelo funk, pelo bolero, jazz e música pop, Elza Soares percorreu caminho tão diverso que lhe permitiu até mesmo subir no palco sob a direção do bailarino e coreógrafo Ivaldo Bertazzo em 2001, ao co-estrelar Folias Guanabaras ao lado de Rosi Campos.

Mas foi a história de vida desta carioca dura na queda que levou Elza à eternidade fugaz da dramaturgia. Primeiro sobre as mãos de Stella Miranda, que contou a história da cantora em Crioula – A Dama do Suingue, musical estrelado por Elisa Lucinda e Zezé Polessa numa encenação que buscaria mostrar que, branca ou preta, Elza era uma figura brasileira capaz de falar a todos os públicos e todas as classes.

A própria artista refutaria este discurso quase 15 anos depois ao lançar o revigorante A Mulher do Fim do Mundo (2015), álbum em que se posicionou como a principal voz dos movimentos sociais, do movimento de luta pelos direitos das mulheres e, principalmente, de afirmação racial, fazendo com que a artista vislumbrasse um posto de diva de uma juventude para a qual Elza havia surgido ali.

Para avivar as memórias surgiu então Musical Elza (2018), espetáculo de Vinicius Calderoni dirigido por Duda Maia e responsável não apenas por recontar a trajetória da artista através das vozes de sete atrizes cantoras, mas também reafirmar a posição de ídolo social que Elza Soares assumiu para si própria em seus discos posteriores, Deus é Mulher e o supracitado Planeta Fome.

A artista surge como referencial até mesmo em espetáculos que não são necessariamente voltados a sua vida, como é o caso do recente Ladies Sings the Blues (2021). Ainda que mereça ser figura a ser estudada com mais afinco por biografias mais densas, Elza Gomes da Conceição Soares sai de cena consagrada como uma das figuras mais importantes também do teatro nacional, uma vez que, seja por sua história, seja por sua obra, será sempre referenciada como figura ancestral da negritude brasileira e feminina.

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