Ícone da modernidade, Paulo José sai de cena ainda vivo na memória nacional

O ator e diretor Paulo José | Foto: Divulgação

A saída de cena do ator e diretor carioca Paulo José (1937-2021), na noite de ontem, 11, aos 84 vítima de um quadro de pneumonia, até pode ter pego de surpresa muitos dos que acompanham sua trajetória artística. Isso acontece porque, embora já debilitado pelas complicações da doença do mal de Parkinson, o ator era ainda figura viva e ativa na memória nacional, mesmo que estivesse longe dos sets de filmagem há pelo menos uma década, e o dobro deste tempo longe dos palcos.

Paulo José, contudo, era figura presente e vivaz, mesmo nas lembranças daqueles que não tiveram a chance de acompanhar o auge do seu sucesso televisivo entre as décadas de 1960 e 1980, sua massiva contribuição para o cinema nacional ao longo de meio século, ou mesmo suas esporádicas e marcantes passagens pelo tablado.

Isso se deve ao registro forte que imprimia às suas personagens, mesmo as menos marcantes. Na TV, encerrou sua carreira em 2014, com uma participação na insossa novela de despedida de outro veterano, Manoel Carlos, na Rede Globo, Em Família. Mas foi dois anos antes que se despediu com pompa, ao dividir com Fernanda Montenegro um dos melhores episódios da série As Brasileiras, dirigida por Daniel Filho.

Entre 1969 e 1971, protagonizou novelas que marcaram a fase modernista da TV brasileira como uma espécie de galã às avessas, desdobramentos de seu icônico Paulo no filme Todas as Mulheres do Mundo (1966), o grande filme da carreira de Domingos Oliveira (1936-2019) reconhecido por dar vazão à chamada santa trindade do cinema nacional, formada por Oliveira, José e, claro, Leila Diniz (1945-1972).

Mas foi em 1972 que o ator atingiu o ápice de sua popularidade ao dar vida ao mecânico Shazan, na telenovela O Primeiro Amor, de Walther Negrão, papel que reprisou no seriado Shazan e Xerife, dividindo a cena com o amigo de fé Flávio Migliaccio (1934-2020).

No teatro, Paulo José desenvolveu parcerias importantes dentro do Teatro de Arena, de Augusto Boal (1931-2009), onde estrelou montagens do quilate de O Testamento do Cangaceiro, de Chico de Assis (1933-2015), Revolução na América do Sul, de Boal, Os Fuzis da Senhora Carrar, de Bertolt Brecht (1898-1956) e A Mandrágora, de Nicolau Maquiavel (1469-1527), no qual recebe a então honraria máxima do teatro brasileiro, o Prêmio Moliére, como melhor figurinista, em 1964.

Entretanto, é como diretor que sua trajetória se distingue. Entre 1972 e 1980, põe em cena obras como Dorotéia vai à Guerra (1972), de Carlos Alberto Ratton (1943-2019), Reveillon (1975), de Flávio Márcio (1945-1979) (pelo qual recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo na categoria Melhor Direção), o clássico Gata em Telhado de Zinco Quente (1976), de Tennessee Williams (1911-1983) sob a produção da companhia de Tereza Rachel (1935-2016), e um dos maiores sucessos do teatro nacional moderno, a comédia É… (1977/ 1979), de Millôr Fernandes (1923-2012), estrelada por Fernando Torres (1927-2008) e Fernanda Montenegro.

Sua trajetória segue com encenações elogiadas de Seis Personagens à Procura de um Autor (1977), de Luigi Pirandello (1867-1936), estrelado por Dina Sfat (1938-1989), Murro em Ponta de Faca (1978), de Boal, Transaminases (1980), de Carlos Vereza, e Em Família (1980), do parceiro Domingos de Oliveira.

Embora ativo como diretor, seu retorno ao tablado como ator se dá apenas em 1985, quando estrela A Fonte da Eterna Juventude, de Tiago Santiago. Entretanto, é entre 1987 e 1988 que consegue seus dois grandes sucessos como intérprete, nos espetáculos Eu te Amo, de Arnaldo Jabor, e no premiado Delicadas Torturas, de Harry Kondoleon (1955-1994), que lhe garantiu seu primeiro Prêmio Moliére como Melhor Ator.

Na década de 1990, adota mais um hiato após estrelar a icônica montagem de O Tiro que Mudou a História (1991), de Aderbal Freire-Filho, retornando ao tablado apenas em 2000 para dirigir e co-estrelar – ao lado de Matheus Nachtergaele – A Controvérsia, de Jean Genet (1910-1986), marcando sua última passagem pelo palco.

Paulo José sai de cena como figura imortal por sua capacidade de soar sempre moderno, jovial e, acima de tudo, antenado a todos os movimentos, fossem eles teatrais ou cinematográficos, cada um em sua respectiva época. Se cala a voz que não apenas injetou como foi o principal catalisador da reinvenção das artes cênicas no Brasil

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