Inspirado por quarentena, Ivan Parente desengaveta declarações de amor de primeiro disco solo

Ivan Parente - Foto: Osmar Lucas

Ator e cantor que construiu sólida carreira no terreno o teatro musical brasileiro, Ivan Parente já havia tateado o solo nem sempre fértil do mercado fonográfico brasileiro. Em meados da década de 90, esboçou carreira musical ao lado do músico e, mais tarde, fundador e principal cabeça pensante do grupo Teatro Mágico, Fernando Anitelli.

Mas foi apenas em 2010 que deu seu primeiro passo rumo a música popular com a edição independente de Isto não é uma Declaração de Amor, álbum no qual versava sobre os altos e baixos de uma relação amorosa. “Eu sempre fui uma pessoa que, quando se apaixona, faz tudo no limite pela outra pessoa”, declara o artista, que levou um ano dentro do estúdio ao lado do produtor Charles Dalla, com quem pilotou as 12 canções do repertório essencialmente autoral.

Com o trabalho finalizado, Parente, contudo, decidiu engavetá-lo, sem dar ao trabalho a chance de ser devidamente trabalhado no mercado. “Reviver essas canções me fez lembrar de momentos importantes, e me deu a chance de curar alguns momentos. Acho que essas declarações de amor precisavam ser feitas. Eu precisava entregar essas canções para o mundo e curar. Naturalmente e fui abduzido pelo musical novamente e não tive tempo de dar atenção ao lançamento do CD. Engavetei”, relembra o artista que, inspirado pelo isolamento social a nível mundial de combate a disseminação do coronavírus, decidiu retornar a esse trabalho.

“Quero que todos conheçam essa minha outra faceta artística. O começo da minha carreira foi a música e eu sempre escondi essas canções meio que de propósito. Não me sentia a vontade de me declarar. Senti, que com essa quarentena, precisamos ser mais autênticos e não ter medo de ser julgado ou criticado. A vida tem que ser mais simples”, conceitua.

Pela primeira vez disponível no streaming, Isto não é uma Declaração de Amor ganhou remasterização pilotada pelo mesmo Charles Dalla, retrabalhando as canções compostas entre 1994 e 2007. Entre as faixas estão títulos como Uma Nova Canção, O Arco-Íris que eu Roubei, Todos os Dias e Saudade, compostas apenas do Parente, Cada Nova Manhã, parceria com Fredericco Baggio, Tão Bem, com Duda Oliveira e Vinicius Loyola, e A Primeira Vez, único título fora da seara autoral, composto por Fábio Ock.

A pedido de reportagem, Ivan Parente comentou faixa a faixa de Isto não é uma Declaração de Amor, álbum já disponível em todas as redes de streaming. Confira:


  • 01) UMA NOVA CANÇÃO

Essas músicas foram escritas em momentos de intenso amor e descobertas. Foram praticamente extirpadas de mim em momentos de dor física de amor. Compostas quando eu precisava dizer coisas para mim mesmo. Momentos em que eu estava no fundo do poço ou que eu precisava sair dele. Como a canção 01 “Uma Nova Canção” escrita em 12/2002, quando eu acordei de um relacionamento que havia acabado no final de 1999. Dois anos sofrendo e escrevendo canções para a mesma pessoa. Resolvi escrever uma canção para mim, me dando a maior força: “Já que eu te perdi mesmo, vou levantar e fazer café. Espantar este vazio da fome de tudo aquilo que eu quis tanto viver”. Ou seja, hora de escrever uma nova história de amor. Uma nova canção para me libertar. Eu me sentia pronto para dar o próximo passo e o fiz. Foi libertador porque depois disso, eu vivi histórias ainda mais lindas.

  • 02) O ARCO-ÍRIS QUE EU ROUBEI

O arco-íris fala desse recomeço, desse sentimento gostoso de se apaixonar e fazer loucuras como o ato de roubar um arco-íris e não se preocupar em ser preso por isso. Tipo: “Pode me prender! Eu prefiro dar o que o ser amado me pediu do que pensar nas consequências”. Acho que se apaixonar é correr riscos. Então eu faço milhões de metáforas para dizer até onde eu chegaria para ter o amor daquela pessoa. Eu fiz essa canção dentro de um avião, olhando para um arco-íris, voltando do Nordeste. Metaforicamente falando, eu conseguia ver aquele amor de lá de cima e era capaz de voar, e até roubar um arco-íris e ainda o pote de ouro no final dele. 

03) TODOS OS DIAS

Pensando em como as pessoas e as relações são diferentes, nesse momento do CD eu resolvi colocar uma música que me faz lembrar de um amor antigo e doente. É uma reflexão entre uma “Nova Canção” já escorregando por um “Arco-Íris”. Nessa canção, eu estava exausto tentando entender uma relação. Eu era muito louco de paixão e como disse anteriormente, sempre estava no limite. Um dia, numa discussão fervorosa, eu chorei, chorei muito e a pessoa não conseguiu entender e nem segurar minhas lágrimas. Claro que eu estava querendo chamar a atenção. Os jovens são assim. A gente melhora com a idade. Acredite! De qualquer forma, diante dessa cena, eu mergulhei no pior do “país machista”, onde a lei é que um homem não chora e chorei ainda mais escrevendo essa canção.

  • 04) SAUDADE

E de repente deu “Saudade”. Saudade de tudo que foi vivido. Dias felizes. Dias tristes. Mas foram dias de aprendizado também. Aquela saudade que dá daquele amor que foi. Daqueles dias que não voltam mais. Do abraço daquela pessoa. Um amor que existia e de repente é saudade e a saudade não tem volta. Escrevi essa canção no final de uma relação muito intensa. Uma história de muito amor. Uma cegueira de amor. Primeiro e grande amor. Eu estava disposto a viver tudo de novo. Pedia pra que essa pessoa voltasse, mas já no fundo do poço, e sem forças, e quase sem ar (porque a canção é cantada de uma forma cansada). Um amor doente. Eu estava disposto a esquecer tudo e viver tudo de novo, mas a saudade não tem volta. O que foi já passou. É tipo uma metáfora. A música é uma ode a um amor que foi lindo, mas não teria motivo para revivê-lo. De qualquer forma o poeta, cansado, ainda tem fôlego pra pedir: “Volta”. Uma volta que ele já sabe que é inútil.

  • 05) TÃO BEM

E de repente a gente olha de novo pro presente e vê que está vivendo uma coisa linda, e que merece, depois de toda a dor do passado. Uma música de Duda Oliveira e Vinícius Loyola que eu tive a audácia de mexer um pouco. É lindo quando a gente recebe uma canção e se identifica com ela. Eu me vi completamente naquela canção. Naquele momento eu estava “bem”, ‘tão bem” e essa música conversava tanto comigo que resolvi inseri-la no disco. O Duda e o Vinícius são parceiros queridos e que, em um determinado momento da minha vida, tiveram importâncias muito relevantes. Foi um privilégio dar vida à canção deles. Uma daquelas canções que a gente faz vendo o ser amado dormindo e sonha com um lindo desfecho. Amo essas músicas que não se importam com o futuro e sim com o momento. 

  • 06) VOU TER QUE TE ESQUECER

E naquele momento que você está “tão bem”, e dá aquela loucura de reviver um amor antigo, mas logo bate a sanidade e você se lembra que é melhor esquecer. Mesmo assim você se lembra que você teve uma vida com aquela pessoa, móveis, canções e você se vê naquele pesadelo, lembrando da pessoa e de tudo que vocês sonharam juntos. O que fazer com tudo isso? Com toda essa história? É como se fosse um disco riscado, as perguntas ficam se repetindo. Até que você se lembra que sua alma também ficou na distribuição dos bens do casal. E que não foi você quem ficou com ela. Muito louco né? Eu me inspirei num amor que começou, mas não vingou. Mesmo assim eu vivia como se fosse minha última possibilidade de felicidade. Tínhamos tanto em comum e ao mesmo tempo nada. Pelo menos fizemos muita música linda. Lembro que eu estava ouvindo o CD da Elisa Lucinda, e no final do “Texto de uma Separação” ela implorava: “Cadê minha alma que estava aqui?”. E daí essa canção nasceu.

  • 07) O QUE A VIDA CONGELOU

Penso que depois da tempestade, sempre vem a bonança. Essa música acontece no meio do CD por um motivo. Não importa o quanto você sofra e chore, sempre há um momento de paz. Alguém muito incrível sempre aparece depois de uma leva estranha de relacionamentos estranhos. Um anjo surge e renova tudo em nós. Renova e deixa queimar aquele amor que você achava que estava congelado. Uma explosão. Fortes ventos. Uma epopeia de sentimentos são substituídas por uma brisa que deixa um sorriso largo no rosto. Escrevi essa canção para um momento assim. Um amor despretensioso e calmo. Um amor que existiu, mas que se transformou em amizade. Uma amizade que será um amor pra sempre.

  • 08) A PRIMEIRA VEZ

Canto essa canção desde o dia que ela foi composta por Fabio Ock. Ele me gravou uma fita (sim uma fita cassete), na época da “Ópera do Malandro” do Gabriel Villela, no TBC, e lá cantamos pela primeira vez. “A primeira vez” nasceu no teatro e invadiu o coração de todos que a ouviam. Tivemos que cantar umas trezentas vezes no mesmo dia. André Dias fazia duetos comigo. Foi lindo. Achei válido colocá-la no disco por um motivo único: Se eu não fizesse, alguém o faria. Não conheço um casal que não se lembre da primeira vez que se viram, que se tocaram, que se beijaram, que conversaram. A roupa que estavam usando, o lugar, o tempo como estava. Enfim, não existe história de amor sem uma “Primeira Vez”. E acho que tentamos reviver esse momento todos os dias de nossa vida. Aquele olhar, aquele sentimento inexplicável, aquele sorriso bobo. Esse sentimento é a base dos relacionamentos. A primeira vez. O que vem depois é uma sucessão de desacertos e novos acertos. Não é fácil conhecer uma pessoa que vem de um lugar diferente e pensa diferente de você. É muita responsabilidade você ainda ter que amá-la. Mas quando nos recordamos do que nos fez amá-la fica fácil e delicioso reviver e reviver e pedir que a “primeira vez” se repita milhões de vezes. Chamei o Vinícius Loyola para cantar comigo por causa de uma canção que eu ouvi do cantor Kalimba, ele regravou “The Blower’s Daughter” com o Jesús Navarro, da banda Reik. A música ficou incrível e eu queria fazer um dueto parecido e ele foi a escolha perfeita. Dar voz a essa canção é uma honra.

  • 09) QUASE SEM PARAR

Às vezes você tenta dizer coisas e não é entendido. Você dá voltas e se reinventa para não dizer coisas que possam machucar. Coisas terríveis que você pensa e não tem coragem de dizer. Coisas bonitas sobre você também. Pensamentos, atitudes, gostos, opiniões, comportamentos. Nessa época eu estava terminando a faculdade e tinha o mundo me esperando lá fora. Estava amando com todas as minhas forças e tentando entender como suportar esse amor dentro de mim e fora de mim também. Morava em mim uma vontade louca de ser eu mesmo. De ser o Ivan Parente sem ter que me preocupar com o que as outras pessoas iriam pensar. Eu estava de volta ao mundo artístico pelas mãos de Fernando Anitelli e terminando uma faculdade de comunicação. Minha cabeça estava fervilhando para todas as direções. Minha alma gritava por liberdade e essa música pulou da minha cabeça, para o papel, em menos de dois minutos. Eu queria errar com as armas que eu tinha. Eu queria discutir e perder a discussão com as opiniões que eu possuía. Eu queria dizer as coisas que estavam dentro de mim e eu não tinha coragem de dizer. Tinha um “Ivan antigo” morando na minha casa nova e era preciso mandá-lo embora. De vez em quando ele aparece para tomar um chá.

  • 10) ERA ENTÃO

Mais um momento daqueles que vem e vão na rotina normal de um compositor suicida. Ao mesmo tempo que o amor é capaz de nos dar paz, ele é capaz de nos fazer sentir num estado de guerra. Essa música mostra o fim, antes da queda. O momento em que você sabe que é preciso pular, mas tem medo. As perguntas que nos fazemos antes do fim que está próximo. Eu escrevi essa canção uma semana antes do término de relacionamento mais triste da minha vida. Tinha medo do fim. É a conversa do meu anjo da guarda com um homem triste e sem esperança. A guitarra me empurra para o fim, mas o piano suaviza a queda. Dizendo: vai ficar tudo bem.

  • 11) CADA NOVA MANHÃ

Sabe quando você acha que não tem mais nenhum amor para viver e fica se colocando pra baixo? Essa música é a mola para te levar para cima de novo. Assim como a primeira canção do CD, essa música vem para dar um novo impulso ao que já não acreditamos mais. Existe uma nova manhã para cada final triste e, é claro, quem vai se arrepender de ter te perdido é o outro. Obviamente. Uma desforra com aquele ser que achou que saiu por cima da carne seca. Quando essa pessoa perceber o que fez, vai querer voltar. Daí você vai rir e dizer: “Tô em outra”. Amo reviravoltas e essa letra que o Fredericco escreveu parecia que tinha sido feita para mim. Chamei o Rapha Negrão pra tocar baixo e a Lídice me emprestou sua voz maravilhosa pra gente fazer uma grande festa de final feliz. Aquela festa que a gente faz quando sai de uma bad? Essa música tá aí por um motivo: Somos capazes de superar qualquer coisa se soubermos que fizemos tudo pra que, essa coisa, desse certo. Erramos? Tentamos acertar? Pedimos desculpas? Fizemos o que foi necessário? Então podemos superar se não der certo. E deu certo enquanto durou. Só é difícil aceitar naquele momento. A canção traz esperança, mas tem um ódio do calor do momento. Amo!

  • 12) SIMPLES

Uma das músicas mais lindas que eu escrevi em toda a minha vida. Relembra todos os amores vividos ou não, por mim e pela humanidade. Penso que ela vem coroar todo o CD com chave de ouro, pois traz em suas linhas, uma verdade absoluta: o que foi amor, o que é amor… será amor para sempre. Deixo claro, pra mim mesmo, que apesar dos términos, o amor sempre esteve e sempre estará lá. Repito sempre nos finais das frases que “eu amo você”. Me jogo nas repetições para que a pessoa não esqueça que até o fim, é amor. Quando libertamos uma pessoa de um amor doente, faz por amor. Isso é amor. Essa música fala sobre isso. Sobre o amor e sobre os momentos que vivemos ficarão perpetuados em nossos poros, em nossa alma. Se foi ruim no final, foi bom no começo. Uma atitude “poliana” para tentar salvar todos os amores que tive em minha vida. Ainda hoje eu ouço “Eu amo você” repetidamente e sinto que eu acabei de escrever essa canção. Ela nos liberta de amores tristes. Amores que foram tristes e não são mais. A vida nos ensina e ficamos melhores e mais fortes. O amor é feito de tantas coisas e só nós somos capazes de aprisioná-lo ou libertá-lo.

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