Regina Duarte se equilibra entre a má-fé e a ingenuidade em texto de despedida

Regina Duarte - Foto: Sérgio Lima

Em janeiro de 2020, ao aceitar assumir a Secretaria Especial da Cultura dentro do governo de Jair Messias Bolsonaro (sem partido), Regina Duarte dividiu opiniões dentro da classe artística. Um grupo viu com ceticismo sua entrada no campo político, enquanto outro enxergou esperança numa possível gestão da atriz, então com mais e cinquenta anos de carreira dividida prioritariamente entre o teatro e a TV.

Quatro meses após aceitar o convite de Bolsonaro para substituir o diretor teatral Roberto Alvim (destituído do cargo após fazer discurso com menções nazistas), Regina Duarte deixa a Secretaria Especial da Cultura menor do que quando entrou e com um legado de total nulidade frente a pasta.

Sem ações efetivas a favor da classe, principalmente após a pandemia do novo COVID-19 (Coronavírus) fechar teatros e cinemas, secar bilheterias ao redor do Brasil e impedir produções audiovisuais de seguir em frente, chega a ser surpreendente o artigo de despedida publicado pela atriz na manhã desta sexta-feira, 22, no jornal O Estado de S. Paulo.

No texto, Duarte narra: “Não me vi no centro de um debate acalorado sobre a relevância de uma política pública voltada para as artes (…) Em vez de uma discussão franca, que seria saudável, por mais altos que fossem os decibéis, o que identifiquei foi só a ação coordenada de apedrejar uma pessoa que, há mais de meio século, vem se dedicando às artes e à dramaturgia brasileira”.

Ora, a ex-Secretária Especial da Cultura então se equilibra entre a má-fé (ao ignorar os insistentes pedidos e protestos por meio da classe artística para que ações fossem tomadas de imediato para que houvesse um auxílio a trabalhadores informais da cultura – muitos não se encaixando no auxílio emergencial de R$ 600,00 proposto pela Câmara dos Deputados) e a ingenuidade (ao não enxergar os debates acalorados acerca das políticas públicas do governo federal desde sua eleição em 2019).

Outro ponto importante a se ressaltar é quando a atriz pontua: “O País precisa de uma política cultural que transcenda ideologias. Foi isso o que tentei colocar de pé quando acedi colaborar diretamente com o governo federal. Num país que tivesse nas comunicações uma elite pensante que não optasse pelo ‘quanto pior, melhor’, esse era o trabalho que deveria estar sob os holofotes da opinião pública – nunca a minha pessoa.”

Neste parágrafo derradeiro, a artista dá a entender que uma política pública de gestão cultural foi apresentado à sociedade quando, na verdade, por pressões de aliados políticos do governo federal, nunca houve sequer uma política de auxílio ou de proposição a classe artística que, mais uma vez, entrou na trincheira por meio de campanhas para que, entre outras ações, fosse liberado o Fundo Nacional da Cultura (FNC), fundo público pertencente justamente aos trabalhadores do setor cultural, profissionais de trabalho sazonal e, em sua maioria, sem carteiras assinadas ou contratos de longa duração.

A figura pública e – por assim dizer, pessoal – da artista entrou de fato em cheque após a desastrosa entrevista à rede CNN, no qual Duarte relativizou as mortes durante o período da Ditadura Militar, o que, por si só, já é uma pauta óbvia para toda uma sociedade que nunca olhou com a devida atenção para as feridas deixadas em sua história ao longo de 21 anos de governos militares, lembrados pelos processos de censura, cassação ideológica e torturas.

Regina Duarte, por tanto, deixa o governo de Jair Messias Bolsonaro não apenas menor, mas completamente irrelevante para a história futura do Brasil, muito por sua inabilidade política, muito pelo equilíbrio tolo entre a má-fé e uma ingenuidade comprada apenas por quem ainda a vê como namoradinha do Brasil.

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