Sesc erra ao dar voz a Roberto Alvim mesmo em entrevista concedida antes de imbróglio político

Roberto Alvim | Foto: Divulgação

Análise – Lançado na manhã de hoje, 29, o podcast Dramaturgias, concebido a partir de uma série de 12 entrevistas concedidas por dramaturgos contemporâneos ao crítico de teatro Kil Abreu, à editora Isabel Diegues e ao diretor José Fernando Peixoto durante o projeto homônimo do Sesc Ipiranga, em São Paulo, busca provocar uma análise e uma discussão acerca do teatro contemporâneo e das formas de escrita dramatúrgica.

Entre os convidados da série estão nomes como Grace Passô, Dione Carlos, Alexandre Dal Farra, Jô Bilac, Newton Moreno, Pedro Brício, Pedro Kosovski, Silvia Gomez e o então ainda não estranho no ninho Roberto Alvim, entre outros.

Com uma obra que suscitou elogios inflamados da crítica e de parte do setor teatral, Alvim foi diretor de peso no cenário carioca no início dos anos 2000, mas foi apenas ao chegar em São Paulo, com a fundação de seu Club Noir, que o dramaturgo e diretor alcançou a unanimidade.

Entre seus trabalhos mais icônicos estão títulos como 45 Minutos (2011), A Construção (2012), Tríptico Samuel Beckett (2014) e o clássico instantâneo Leite Derramado (2016), responsável por consagrar Alvim não apenas no seio da crítica teatral, mas também como um dos diretores preferidos do público paulistano.

Como dramaturgo, contudo, suas conquistas foram menos gloriosas, o que não tira o brilho de suas criações para os palcos. Entretanto, é de se questionar a presença do artista em série dedicada a exaltar a arte dramatúrgica contemporânea.

E o problema não é nem sua simpatia ao governo de Jair Messias Bolsonaro – inimigo declarado da cultura das artes -, mas sim seu incessante trabalho para tolher a liberdade de companhias e artistas durante sua permanência na Secretaria Especial da Cultura do governo bolsonarista.

É sabido que o ex-secretário – exonerado da Secretaria após discurso de teor nazista em que declarava guerra ideológica ao setor cultural, mas ainda parte do campo de funcionários da FUNARTE – buscou (e encontrou) nas redes sociais terra fértil para pôr em ação plano de censura e caça a artistas de viés político oposto ao seu e ao do governo vigente, assim como condicionou a aprovação de projetos em leis de incentivo a um pente fino ideológico que iniciou o hoje consumado apagão cultural com o qual o Brasil flerta mesmo sem o cenário da pandemia do Coronavírus.

É, portanto, temerário e até errático que um projeto voltado a fomentar e celebrar a arte da dramaturgia siga dando voz a figura essencial para o desejo de tolher liberdades e diminuir as possibilidades dramatúrgicas de um país que já havia visto o mesmo filme num período de 22 anos que atrasou o desenvolvimento cultural e educacional.

Ainda que concedida em 2018, quando vivia momento de brilho consumado graças a encenação do drama Kiev, do uruguaio Sergio Blanco, e antes da consumação do imbróglio político que o tornaria persona non grata dentro do setor cultural, dar palco a falas de Roberto Alvim apenas fortalece sua posição frente a um teatro que tentou sufocar.

Entretanto, que pese o mau passo editorial do podcast, ainda é importante ressaltar que nomes como Emanuel Aragão, Francisco Carlos e Michelle Ferreira, além dos citados anteriormente, também fazem parte do podcast que tem lançamento oficial com bate-papo transmitido no canal oficial do CPT Sesc no YouTube com a presença de Kil Abreu, Isabel Diegues, José Fernando Peixoto e do diretor Aimar Labaki a partir das 18h30.

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