Stephen Sondheim construiu obra musical complexa, mas de apelo popular

Stephen Sondheim | Foto: Divulgação

É difícil mensurar o que a saída de cena do compositor, músico e letrista norte americano Stephen Sondheim (1930-2021) significará para o teatro musical moderno. Isso porque, aos 91 anos de idade, Sondheim seguia em pleno processo de criação. Embora tenha desistido de produzir Buñuel, musical no qual adaptaria dois títulos da filmografia do cineasta espanhol Luís Buñuel (1900-1983), e no qual trabalhava desde 2016, Sondheim deixou a obra praticamente pronta.

Assim como também deixou pronto pelo menos o primeiro ato de Square One, musical autoral que desenvolvia ao lado do dramaturgo David Ives e que contou com leitura dramática estrelada pelos atores Nathan Lane e Bernadette Peters neste 2021. A ideia original era de que o espetáculo estrasse em 2023.

Entretanto, a despeito destas duas obras inacabadas, Sondheim poderia ter assumido – como já chegou a anunciar em momentos passados – uma bem vivida aposentadoria, uma vez que, ao longo de mais de 60 anos, foi o principal criador da Broadway moderna. 

Basta citar que, entre suas obras, estão títulos como West Side Story (1957) e Gypsy (1959), musicais para os quais escreveu as letras aos 27 e aos 29 anos, respectivamente, trabalhando com dois titãs do teatro musical norte americano, Leonard Bernstein (1918-1990) e Jule Styne (1905-1994).

Entretanto, se ter escrito as letras de canções como America, I Feel Pretty, A Boy Like That, Everything’s Coming up Roses, Small World, Rose’s Turn e Some People já não bastasse, Sondheim ainda foi o responsável por criar uma nova linha de desenvolvimento de musicais na Broadway quando, em 1970, estreou Company, espetáculo urbano, com texto de George Furth (1932-2008), que narra a relação de amizade entre Robert, um solteirão convicto e seus quatro casais de amigos às voltas com uma crise de 35 anos de idade.

Company se tornou um dos maiores marcos da Broadway moderna por dar início a uma linha de musicais voltados a questões íntimas, pessoais e pouco palpáveis, como a solidão, a paixão, o pânico matrimonial, a amizade a todo o custo e o individualismo, sendo responsável por lançar no mundo canções que se tornaram clássicos instantâneos, entre eles Being Alive, Another Hundred People, Side By Side, a canção-título e, claro, The Ladies Who Lunch.

Não seria exagero afirmar que sucessos do teatro moderno, entre eles Rent, Tick Tick Boom, Dear Evan Hansen, Avenida Q, It Shoulda Been You, Fun Home e If/Then, entre outros, existem porque Company abriu caminho para a discussão de temas extremamente subjetivos através de números musicais em grandes teatros.

Parecido aconteceu com Follies (1971), uma de suas obras mais complexas escrita ao lado de James Goldman (1927-1998), em que passa a limpo um tempo passado na memória do teatro norte americano, e apresenta alguns dos clássicos do repertório musical da dramaturgia mundial, entre eles Losing my Mind, Could I Leave You?, I’m Still Here, Broadway Baby, In Buddy’s Eyes e The Story of Lucy and Jessie.

A obra de Sondheim, ao longo dos anos, se tornou um standart do repertório clássico norte americano. É difícil encontrar um show estruturado em clássicos do repertório popular sem que pelo menos uma canção de Sondheim faça parte, seja ela Send in The Clowns, seu título mais famoso, que já passou pelas vozes de nomes como Frank Sinatra (1915-1998), Sarah Vaughan (1924-1990), Barbra Streisand, Ella Fitzgerald (1917-1996), Madonna e, no Brasil, até o roqueiro Renato Russo (1960-1996) fez deste um de seus hinos a favor do amor.

Send in The Clowns, parte do roteiro de A Little Night Music (1973) é uma das canções mais complexas do compositor e, ainda assim, sua mais popular, por retratar, de forma dramática e dolorosa, a separação de um casal pelos olhos de uma grande atriz – ainda que essa interpretação só esteja definitivamente clara dentro do contexto da obra.

Entretanto, outros títulos ainda ganharam sua devida popularidade, entre eles a vencedora do Oscar Sooner or Later (1991), canção composta para a trilha do filme Dick Tracy, estrelado por Warren Beatty, Al Pacino e Madonna, e que compôs o roteiro dos shows da rainha do pop por um bom tempo.

Pérola delicada em meio à jornada sangrenta de Sweeney Todd (1979), Not While I’m Around é título que já ganhou a voz até mesmo da estrela Jennifer Aniston em uma das cenas do recente sucesso The Morning Show, a série exibida pela Apple TV e estrelada pela estrela de Friends ao lado de Reese Whiterspoon.

E a estes títulos somam-se ainda Anyone Can Whistle (do musical homônimo, de 1964), Not a Day Goes By (Merrily We Roll Along, de 1981), Move On (Sunday in the Park With George, de 1984), No One is Alone (Into the Woods, de 1987), Loving You (Passion, de 1994), entre outras.

Ainda que com entrada limitada no Brasil por seu caráter complexo e o uso habilidoso da língua inglesa, a obra de Stephen Sondheim, é correto afirmar, já inspirou criações de nomes como Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso e Ed Motta, e, ao redor do mundo, continuará reverberando ainda que com sua súbita saída de cena, e, por seu caráter sempre produtivo, uma perda absolutamente sentida.

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