Ao sair de cena, Camila Amado deixa legado de combate e pedagogia dentro do teatro nacional

Camila Amado | Foto: Divulgação

A inesperada saída de cena de Camila Amado (1939-2021) na manhã de domingo, 06, pegou toda a classe teatral de surpresa. Não apenas por seu caráter repentino, mas também pelo fato de Amado, aos 82 anos, exibir vivacidade e fome cênica ainda essencialmente joviais, fosse em suas incursões pela TV, pelo cinema ou, claro, pelos palcos.

Mesmo isolada devido a pandemia do Coronavírus, Amado seguia em pleno movimento. Em meados de 2020 se uniu a Marco Nanini para gravar uma versão digital de As Cadeiras, de Eugène Ionesco (1909-1994), montagem que ganharia os palcos do Brasil tão logo houvesse controle da pandemia.

Ao longo de mais de 60 anos de trajetória artística, Amado se dedicou às artes da interpretação de diferentes maneiras. Nos palcos, chamou a atenção da crítica e do público ainda em 1957, quando, aos 18 anos, compôs o elenco de espetáculo responsável por lançar a dramaturgia de Ionesco no Brasil, com a junção de três clássicos instantâneos, A Lição, A Cantora Careca e a supracitada As Cadeiras, texto que a acompanharia por décadas.

A longo de quase três décadas, Amado construiu trajetória sólida e de respeito no teatro nacional, trabalhando em companhias como o Teatro Brasileiro de Comédia, o Teatro de Arena, e o Tapa, compondo obras como Eles não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), Anjo de Pedra, de Tennessee Williams (1911-1983), Um Elefante no Caos, de Millôr Fernandes (1923-1012).

Mas é no teatro independente que a atriz encena alguns de seus melhores trabalhos, ainda que com adesão limitada do público. Com a montagem de A Exceção e a Regra, de Brecht (1898-1956), passa a colecionar indicações a todos os prêmios mais importantes do teatro nacional, entre eles o Moilière, e chama a atenção do polonês Ziembinski (1908-1978), que a leva para co-estrelar a montagem original de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues (1912-1980).

A despeito da trajetória estelar dentro do teatro carioca, Amado experimenta o amargor do ostracismo em meados da década de 1980, quando protagoniza espetáculos de menor adesão tanto de público quanto de crítica. É neste período que inicia carreira pedagógica, ensinando os meandros do teatro a jovens atores e atrizes ao redor do Brasil.

Lecionando, a artista deu régua e compasso a toda uma geração de artistas criados a partir daquela década, estabelecendo parceria profícua com diretores como Amir Haddad e Aderbal Freire-Filho, e desempenhando papel de farol nas artes ao injetar o inconformismo político em suas aulas e encenações.

Ativa até próximo a sua morte, vitimada por um câncer avançado, a artista compôs o elenco de montagens que voltaram a posicioná-la em lugar de destaque no teatro paulistano a partir da década de 1990, com destaque para títulos como Um Equilíbrio Delicado, de Edward Albee (1928-2016), em 1999, A Mais Forte, de August Strindberg (1849-1912), em 2008 e Sonho de Outono, de Jon Fosse, em 2009.

Camila Amado sai de cena como persona amável e doce, mas artista combatente e crente no poder transformador da pedagogia das artes dentro de uma sociedade que, diferente da artista, crente no diálogo irrestrito, já não crê mais em si própria.

Notícias relacionadas