Jogo cênico entre bom elenco faz crescer Cock, dramaturgia rica na forma mas de conteúdo previsível

Elenco de Cock | Foto: Pedro Bonacina

Entre 2008 e 2010, o dramaturgo inglês Mike Bartlett iniciou uma série de pesquisas que o levariam a desenvolver textos nos quais punha em xeque visões correntes acerca das relações familiares, dos relacionamentos amorosos e das conexões estabelecidas em ambientes profissionais ou de convivência contínua.

Assim, o dramaturgo deu vida a quatro títulos que permeariam suas criações ao longo de sua trajetória. Se aspectos de Contrações (2008) são facilmente reconhecidos em Bull (2014) não é mera coincidência, assim como não são ao acaso as relações familiares estabelecidas entre Terremotos (2010) e Love, Love, Love (2010), principal título de sua trajetória artística.

Foi através de Love, Love, Love que o autor se tornou um dos mais incensados não apenas em sua Inglaterra de origem, mas também, e principalmente, no Brasil que, em 2018, viu dois títulos se tornarem os espetáculos mais incensados de suas respectivas temporadas: os supracitados Contrações e Love, Love, Love sob a produção do Grupo 3 de Teatro, companhia encabeçada por Débora Falabella, Yara de Novaes e Gabriel Fontes Paiva.

É, portanto, sintomático que o autor ganhe ares de franca popularidade entre o circuito teatral – principalmente – paulistano, que se dedica a descobrir títulos menos conhecidos, obscuros ou ainda inéditos de sua dramaturgia ainda em franca produção. Foi assim que obras menores como Bull, ou outras mais interessantes como Medea (2014) ganharam os palcos nos últimos anos.

Entretanto, verdade seja dita, poucas foram as pérolas pescadas do baú de Bartlett que soassem de fato tão interessantes quanto Cock, premiada peça de 2009 que, até o momento, havia passado batida pela posteridade. Ainda que tenha uma premissa, a rigor, pouco empolgante, Cock orquestra todos os principais elementos que Bartlett utilizaria para alicerçar títulos como King Charles III e Game, dois dos títulos mais importantes de sua carreira, ambos de 2014.

O texto narra a história de John, um homem gay que, vivendo uma relação longa com outro homem, se vê em um dilema íntimo ao se relacionar com uma mulher. Um jantar então é oferecido para que John decida com qual dos dois quer ficar e tudo se torna mais difícil quando seu sogro chega para tentar influenciar sua escolha.

Bartlett constrói dramaturgia baseada nas rinhas de galo praticadas no México, onde estudou, e transforma suas quatro personagens em protagonistas de uma espécie de luta livre sentimental. As cenas são divididas em sets, e, a medida que a história se desenvolve, se torna uma experiência sufocante acompanhar o dilema – a princípio banal – da personagem principal.

Em cartaz na Oficina Oswald de Andrade, em São Paulo, até amanhã, 18, a primeira montagem brasileira de Cock segue à risca a intenção de seu autor de colocar suas personagens em uma arena a fim de que a plateia tenha a chance de torcer de forma íntima – ou não – por cada desfecho.

Assinada por Nelson Baskerville, a encenação opta por seguir as orientações da dramaturgia, fazendo com que o diretor opte por trabalhar basicamente com seu grupo de atores. E Cock é essencialmente uma peça em que o jogo do elenco se prova a principal estrutura da montagem – com bom trabalho de tradução assinado por Andrea Dupré.

Co-idealizadora da montagem – ao lado de Daniel Tavares -, Dupré está em cena junto a seu colega e a Marco Antônio Pâmio e Hugo Coelho. Na pele de John, Tavares opta por registro baseado na fragilidade de uma figura incapaz de tomar as próprias decisões e lidar com suas consequências.

O ator permanece em cena ao longo de praticamente todo o espetáculo, e consegue bom desempenho no jogo com seus colegas. Em cena apenas quando a montagem se encaminha para o desfecho de seu segundo ato, Hugo Coelho também angaria bons momentos ao embarcar em narrativa quase absurda de uma personagem repleta de tintas patéticas.

No embate cênico, Dupré rende mais quando joga com Pâmio e com Coelho do que quando estabelece a relação de sua personagem com a de John. A atriz até consegue driblar irregularidades da estrutura original, mas resulta em elo mais fraco que seus colegas.

Pâmio, por sua vez, surge como o grande destaque de Cock. Um dos principais encenadores de sua geração, o artista volta ao palco e, mais uma vez, se comprova ator versátil capaz de percorrer com segurança a tragicomédia na qual sua personagem se estrutura no jogo com seus colegas.

O encontro do grupo de atores em cena é, de fato, o que faz de Cock obra interessante, a ponto de se despir de figurinos (Marichilene Artisevskis) e cenário (Chris Aizner) em prol de uma estrutura que trabalha com o desenho de luz (Wagner Freire) e a ótima trilha original (Dan Maia) como personagens da narrativa que, se não levanta grandes questionamentos sólidos sobre a sexualidade ou questões interpessoais, estabelece ótimo jogo cênico capaz de manter a plateia presa, senão pela história, pelo excelente embate de seu elenco no ringue vertido em tablado.

SERVIÇO:

Data: 02 a 18 de dezembro (segunda-feira a sábado)

Local: Oficina Cultural Oswald de Andrade – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro

Horário: 20h (segunda a sexta); 18h (sábado)

Preço do ingresso: Grátis

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