Martha Meola discute violências contra a mulher ao viver Uma Mulher Só, de Dario Fo, em estreia online

Martha Meola - Foto: Divulgação

Uma das melhores e mais versáteis atrizes de sua geração, Martha Meola se viu seduzida pelo movimento crescente do teatro digital e da enxurrada de lives cênicas que ocuparam a programação de teatros e espaços culturais como a Rede Sesc São Paulo por meio de transmissão em canais como o Youtube e no perfil em redes como Facebook e Instagram, quando a pandemia do novo Coronavírus congelou o mercado cultural e as produções nas quais estava envolvida já não tinham mais previsão de sair do papel.

“Eu queria trabalhar, queria fazer alguma coisa, e diante das circunstâncias a gente tem que se reinventar”, comenta a atriz que, para dar vazão ao desejo de entrar em cena, convidou o diretor vencedor do Prêmio APCA Marco Antônio Pâmio, com quem j´desenvolveu trabalhos vitoriosos, como as montagens de Assim é se Lhe Parece (2014) e Jardim de Inverno (2019), para, juntos, moldar um projeto que abarcasse a nova linguagem.

“No começo eu estava bem resistente. É muito difícil aceitar esse formato como teatro na sua plenitude, já que sem um espectador de carne e osso diante do ator ele simplesmente não acontece”, conceitua o diretor que, a medida que compreendeu a linguagem com uma espécie de bote-salva vidas para a classe artística, decidiu embarcar na empreitada.

“É um arremedo, uma gambiarra para que as pessoas das artes cênicas ao vivo não morram de depressão ou algo parecido. Temos um bicho inquieto dentro de nós, e é muito difícil parar de uma hora para outra. Acho que essa foi uma maneira de sossegar esse bicho carpinteiro”, diz.

A dupla iniciou então um processo de curadoria de textos em busca de um título que valesse a experiência. Uma série de obras foram cogitadas até chegarem a Uma Mulher Só, comédia escrita pelo Nobel de literatura Dario Fo (1926-2016) em parceria com a atriz e dramaturga Franca Rame (1929-2013) em 1977.

A peça, a primeira de uma série de textos sobre a condição da mulher na sociedade moderna, ganha montagem digital num momento em que, considera Pâmio, há um “jorro de sincronicidade” com a realidade brasileira, a começar pelo caso divulgado no último 09 de julho, quando uma mulher no bairro de Campo Grande (zona oeste do Rio de Janeiro), conseguiu fugir de um cativeiro em que era mantida pelo marido há oito anos, dentro da própria casa. 

“O caso surgiu logo depois de iniciarmos os estudos do texto e ensaiar a peça. Foi um choque muito grande”, diz Pâmio. E Meola completa “É um texto atual e muito pertinente, e isso é triste demais”.

A obra flagra uma dona de casa, que, trancada em seu próprio apartamento, fica muito feliz com a chegada de uma nova vizinha ao apartamento da frente. À novata, ela confidencia dores e desejos, frustrações e dúvidas, enquanto se vê obrigada a responder às solicitações dos homens que dominam o seu cotidiano: o marido, o cunhado na cadeira de rodas, o vizinho que a observa da janela, o ex-amante, o filho pequeno e o pai de uma jovem grávida.

O monólogo, uma comédia irônica e sardônica, faz parte de um grupo de peças que abarca ainda títulos como Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico (1983) e Brincando em Cima Daquilo (1984). O fato de se tratar de um expoente da comédia de Dario Fo é um dos pontos considerados pela atriz como o grande desafio do teatro online. “Eu já fiz alguns trabalhos cômicos e o desafio é a matemática do riso da plateia com a interpretação. Mas a gente tem que se adequar a essa falta do retorno da plateia e acreditar que é possível dentro dessas condições sim”, diz Meola

“Temos trabalhado no sentido de viver a circunstância da personagem sem se apegar muito ao que pode vir ou não como reação da plateia. Por mais que o público esteja se manifestando através da risada, ela não tem como jogar com isso por conta das câmeras e microfones fechados”, explica Pâmio.

O desafio, contudo, não amedronta a atriz, que, estrelando o primeiro solo de sua carreira, põe fé na força da nova linguagem para uma renovação do público teatral. “Eu espero que ela seja mais uma ferramenta para a gente instigar as pessoas a voltar ao teatro. E eu acho que esse trabalho online é bacana porque tem um lado de extensão. A gente pode chegar e atingir pessoas de outros estados e outros países, isso é muito interessante. Ao mesmo tempo, estamos levando o teatro para outros lugares, estamos movimentando os desejos das pessoas, nós somos profissionais desse meio da comunicação, precisamos nos adequar”, finaliza.

Ainda sem data confirmada para a estreia, Uma Mulher Só cumprirá temporada via Zoom engrossando o time de espetáculos do universo digital sob a produção da SM Arte e Cultura, de Selene Marinho, e do Círculo de Atores, de Sérgio Mastropasqua. Quem viver…

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