Cia Triptal mergulha nas profundidades da dramaturgia de O’Neil para emergir em azeitada crítica social em obra online

Sede | Foto: Carla Gobbi e Catherine Gobbi

Quando, em agosto de 2020, a Cia. Triptal mergulhou no universo online através de Sede, título menos conhecido da parcela marítima da obra de Eugene O’Neill (1888-1953), era possível cravar que, não estivesse fadada ao limitado mundo virtual, a peça teria fôlego para roçar a perfeição de Inferno – Um Interlúdio Expressionista (2019), espetáculo no qual a companhia capitaneada por André Garolli emergiu das profundezas de Tennessee Williams (1911-1983) em momento de plenitude.

Oito meses após aquela primeira promissora apresentação, Sede se confirmou um dos grandes títulos do repertório da Cia.Triptal graças a montagem em cartaz desde o dia 23 de abril no canal oficial do Centro Cultural São Paulo no YouTube. Registrado no palco do Teatro Gamaro, também em São Paulo, a obra dirigida por Garolli cresce em cena e atinge, tanto na linguagem plástica quanto na valorização da dramaturgia, patamares sequer roçados pela montagem.

Garolli ancora seu elenco em experimento cenográfico, assinado por Julio Dojcsar, que amplia a sensação de angústia sugerida pelo texto do norte americano. Em cena, Camila dos Anjos, Fabrício Pietro e Diego Garcias constroem uma dinâmica própria de diálogo entre si e com o público que facilita o mergulho no universo de O’Neill.

Na obra, um trio divide um pequeno bote após o naufrágio de um transatlântico em mar aberto. Um cavalheiro, uma dançarina e um marinheiro, sem perspectivas de serem encontrados, jogam suas esperanças ao mar e flertam com a senilidade causada pelo desespero.

Se na montagem encenada há oito meses a obra tinha como foco a questão racial, jogando a luz do refletor sobre o processo de animalização do corpo negro (representado pelos diálogos das personagens de Pietro e dos Anjos), na atual, em cartaz até amanhã, 30, o que entra em discussão são os valores humanos e a desconstrução dos dogmas sociais em busca da sobrevivência.

Garolli encaminha com esperteza a encenação de pouco menos de uma hora sem propor a defesa ou a acusação de personagens. A obra se constrói a partir do ponto de vista do trio faminto e sedento e com ímpeto de sobrevivência a todo o custo – mesmo que atinjam o desespero.

Camila dos Anjos, na pele da bailarina, opta por registro sóbrio ao encaminhar sua personalidade para a senilidade, fugindo a exageros histriônicos que poderiam comprometer a obra. Safa, a atriz imprime em sua personagem uma personalidade quase ingênua, fazendo de sua bailarina uma típica mocinha que ganha bem vinda quebra em suas cenas finais.

Já Diego Garcias surge mais protocolar na pele do marinheiro, em interpretação que pode ser azeitada ao longo de uma vindoura e futura temporada. Falta à personagem uma característica que o leve a identificação do público, e é essa falta que tira a força do desfecho do marinheiro, ainda que não comprometa a imagem civilizada e prática impressa na personagem.

Por fim, Fabrício Pietro angaria um de seus melhores momentos em cena na pele do cavaleiro. O ator constrói uma personagem frágil repleta de medos e inseguranças que, a medida que a obra se desenvolve, se torna uma espécie de confidente do público, valorizado pela direção de Garolli, responsável por erguer as pontes solidificadas por Pietro no contato com a plateia.

Colecionando acertos – desde os figurinos de Telumi Hellen Yamanaka, o visagismo de Beto França e o desenho de luz do próprio diretor -, Sede é obra que presta, acima de tudo, um tributo à dramaturgia clássica, comprovando o poder de comunicação de uma obra que, ao longo das décadas, segue se inserindo em diferentes contextos sociais

SERVIÇO:

Data: 23 a 30 de abril

Local: Centro Cultural São Paulo

Transmitido através do canal oficial do CCSP no YouTube

Horário: 21h30

Preço do ingresso: Grátis

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