Com dramaturgia potente, Monstro tropeça ao mergulhar em fórmula desgastada do digital

Monstro | Foto: Alice Jardim

Em 2018, ao ser eleito Presidente da República do Brasil, o ex-capitão reformado e ex-deputado Jair Messias Bolsonaro (Sem Partido) emergiu como o rosto da extrema direita brasileira, alicerçada em dogmas de puritanismo e pretensa moral que tem como principal mote a guerra anti-pautas progressistas dentro da política social e de costumes do país.

Ato contínuo, a eleição do ex-militar significou também um alerta vermelho para minorias historicamente atacadas e desprestigiadas frente à sociedade. Não é, portanto, equivocado traçar uma leitura de Monstro, experimento cênico virtual que estreou ontem, 24, dentro da programação digital do Teatro Sérgio Cardoso sob a produção da Cia. Artera de Teatro, como um retrato da sociedade brasileira contemporânea.

Escrita e estrelada por Ricardo Corrêa, a obra narra a história de Léo, um professor de natação de uma escola de elite que entra na fila de adoção de uma criança abandonada. Homossexual, a personagem se vê em uma encruzilhada ao confrontar dois alunos de nove anos e tentar incutir um discurso de aceitação e tolerância.

O ato faz com que a personagem se torne uma espécie de persona non grata aos olhos daquele campo social. Léo, então, precisa lidar com ataques, homofobia, ridicularização e perseguições em texto que busca encontrar o equilíbrio entre a crítica política, a análise social e o puro melodrama.

Corrêa opta por texto claramente narrativo ao posicionar a personagem expondo uma carta que escreve ao garoto que tenta adotar. Ao longo de uma hora, o ator versa sobre a vida da personagem e seus anseios, seus relacionamentos, o fracasso de um casamento, os estereótipos incutidos à comunidade LGBTQIA+, o cenário político e, com certo maniqueísmo, os detentores do poder em um governo que promove o levante da extrema direita.

Embora fluente, o texto de Corrêa percorre a linha tênue entre as situações dramáticas e o melodrama, dando a impressão de que adota todos os caminhos para fugir à letargia. Impressão essa intensificada pela direção de Davi Reis, que opta por sublinhar o caráter narrativo da obra, sem, contudo, dar espaço para que Corrêa crie, enquanto ator, nuances da personagem.

Ao longo de pouco mais de uma hora, Monstro persegue o dinamismo dentro das possibilidades audiovisuais e digitais, mas peca pelo excesso, esvaziando a força dramatúrgica do texto e soando como obra com muito a dizer, mas perdida nas possibilidades de comunicação.

A força da mensagem, contudo, é acentuada pelo ótimo desenho de luz de Fran Barros e pela trilha original composta por Fábio Manzione, que constroem cenário pertinente para que Ricardo Corrêa consiga dar seu recado, ainda que com a força diluída.

Enfim, Monstro é obra com ótima premissa e uma história a ser contada que pode ganhar ainda mais força dentro de uma proposta que valorize mais o texto do que necessariamente a experimentação digital dentro de um cenário que, embora ainda muito importante, já anuncia o recorrente desgaste.

SERVIÇO:

Data: 24 de junho a 11 de julho (quinta-feira a domingo)

Local: Teatro Sérgio Cardoso Digital

Transmissão online via Zoom

Horário: 21h

Preço do ingresso: Grátis

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