Escrita no calor do momento, O Debate é obra que percorre lugares comuns sem inspirar discussão

Luís Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, personagens que servem de pano de fundo para O Debate

Só mesmo o fato de ser obra assinada pela dupla Jorge Furtado e Guel Arraes explica a atenção dedicada a O Debate, livro que registra o texto dramatúrgico escrito pela dupla de roteiristas e diretores e posta nas lojas dentro de série Dramaturgias, da editora Cobogó.

Não tivesse o nome dos artistas em sua ficha (que criaram alguns dos principais produtos da formação cultural do Brasil moderno), talvez o livro passasse tão despercebido quanto a maioria das obras dramatúrgicas postas nas lojas ao longo dos anos por editoras que se aventuram por esta seara comercialmente pouco rentável.

O fato é que, enquanto texto dramatúrgico, O Debate mergulha em uma série de questionamentos comuns, sem necessariamente inspirar, como o título sugere, um debate que cause uma real curva dramatúrgica.

A obra narra a história de Marcos e Paula, dois jornalistas em meio à cobertura do último debate do segundo turno das eleições presidenciais que tem como candidatos o ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva (PT) e o atual mandatário Jair Messias Bolsonaro (Sem Partido). Os profissionais discutem então temas como a isenção jornalística, o surgimento de uma nova variante do Coronavírus, a política de combate à pandemia adotada pelo governo Bolsonaro e os erros das duas gestões do governo Lula.

O fato é que, mesmo fazendo parte do mesmo espectro político, estas duas personagens nunca engrenam de fato um debate (ainda que o título remeta mais a um pano de fundo do que a uma ação propriamente dita), nem tampouco servem de movimento dramatúrgico à obra, fazendo com que ela resulte opaca.

Nem mesmo o envolvimento amoroso pregresso destas suas personagens é capaz de adicionar alguma tinta menos óbvia à construção dramatúrgica de O Debate. É verdade que, escrito no calor dos acontecimentos, o texto não é obra fechada, e pode passar ainda por novas revisões, contudo, a despeito de propor um panorama do momento político, a dramaturgia não deixa a zona de conforto das frases feitas ou dos embates pouco interessantes da elite cultural que se recusa a assumir debates mais profundos.

Entretanto, justiça seja feita, O Debate preserva a assinatura saborosa de seus autores, que fazem com que a obra percorra com cadência, resultando numa leitura (de fato) agradável. Mas nem mesmo o ritmo cadenciado exime a obra de seu caráter puramente protocolar, provando que, para uma grande dramaturgia política, é preciso mais do que uma visão meramente analítica. Sem um conflito que de fato valha à peça, a peça resulta em debate morno.

Capa de O Debate

SERVIÇO:

O Debate

Autor: Jorge Furtado e Guel Arraes

Editora: Cobogó

Preço: R$ 36,00 (80 páginas, 2021)

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