Júlia Rabello dá mergulho raso na obra de Shakespeare ao caçar contexto contemporâneo de Romeu & Julieta

Romeu& Julieta (e Rosalina) - Foto: Divulgação

Berço do desbunde e da chanchada no teatro e no cinema nacional,a cidade do Rio de Janeiro foi não apenas palco, mas também um dos principais cenários da educação cômica do Brasil. Na Cidade Maravilhosa se criaram grandes nomes da clássica comédia brasileira, como o cearense Chico Anysio (1931-2012), os cariocas Agildo Ribeiro (1932-2018) e Jô Soares, a polonesa Berta Loran, além de figuras do clássico teatrão que caminhavam com naturalidade pelo registro cômico, como Henriette Morineau (1908-1990), Marília Pêra (1943-2015), Bibi Ferreira (1922-2019) e seu pai Procópio Ferreira (1898-1975).

No final da década de 1970, a comédia sofreu um baque com a chegada de uma trupe formada por nomes como os componentes do Asdrúbal Trouxe o Trombone, os atores Guilherme Karan (1957-2016), Miguel Falabella, Pedro Cardoso, Mauro Rasi (1949-2003), Vicente Pereira (1949-1993) e, claro, a dupla Miguel Magno (1951-2009) e Ricardo de Almeida (1954-1988) que, em 1979, ao pôr em cena num pequeno teatro paulistano o clássico instantâneo Quem tem Medo de Itália Fausta? abriu caminhos para a revolução do besteirol carioca.

Desde então, o humor carioca sofreu as mais diversas mutações e abraçou diferentes linguagens e propostas, mas jamais com a força modeladora daquele movimento que trouxe para o repertório nacional obras como Trate-me Leão (1977), As Sereias da Zona Sul (1988),  5X Comédia (1993) e Hermanoteu na Terra de Godah (1995), essenciais para a renovação do humor carioca (e brasileiro) entre o final dos anos 1970 e início dos anos 2000.

Foi apenas no final da década de 2000 que um novo movimento despontou com força para roçar uma nova revolução nos palcos cariocas. Bebendo da fonte de espetáculos seminais como Z.É – Zenas Emprovisadas (2003) e Na Medida do Possível (2001), um novo grupo de humoristas iniciou um processo de renovação que rendeu no surgimento do canal Porta dos Fundos e a popularização massiva de Paulo Gustavo com o blockbuster Minha mãe é uma Peça, o filme de 2013 nascido a partir da peça homônima (e igualmente bem sucedida) de 2006.

Surgiu no Rio de Janeiro então uma gama de autores, atores e comediantes que deram vazão a movimentos como os que geraram obras como Vai que Cola (2013) e outros produtos do audiovisual sob o guarda-chuva de um humor histriônico que se tornou sucesso nas telas e nos palcos cariocas.

Dessa turma brotaram nomes como Samantha Schmutz, Cacau Protásio, Marcus Majella e o próprio Paulo Gustavo. Em tons mais comedidos, mas ainda nesta turma, fizeram sucesso nomes como Fábio Porchat, Mariana Xavier e Júlia Rabello, em cartaz no Rio de Janeiro em temporada virtual de Romeu & Julieta (e Rosalina), comédia de Gustavo Pinheiro que compõem a programação online do projeto Teatro Já, no Teatro Petra Gold, no Leblon.

Em cena, a atriz dá vida a Rosalina, a primeira paixão de Romeu antes que o jovem conhecesse Julieta e desse vazão à clássica tragédia escrita por William Shakespeare (1564-1616). Na obra de Pinheiro, a jovem pretende contar a verdadeira versão do romance mais famoso do mundo de forma simples e se ajustando a linguagem contemporânea surgida e disseminada nas redes. 

Sob a direção de Fernando Philbert, a premissa faz a obra soar mais ambiciosa do que de fato resulta em menos de uma hora de duração. Na montagem (em cartaz até o dia 29 de agosto), Rabello opta por registro cênico próximo ao stand-up comedy para tentar desconstruir a trágica história de amor dos dois jovens de Verona.

Buscando incessante conexão com o contemporâneo, o texto de Pinheiro se excede na contextualização do amor do casal, com o uso de gírias e conceitos modernos, fazendo com que a dramaturgia se perca em comparações sem fôlego, diminuindo a potência da obra, que dá mergulho raso no universo shakespeariano para tentar angariar tom cômico prejudicado sobretudo pela falta de público para fazer render o jogo de interação proposto por Rabello em cena.

Ainda assim, tanto o texto quanto a atriz parecem se alicerçar em cacoetes que buscam o riso a todo custo e que, de fato, funcionam quando usados em registros mais moderados. A direção de Philbert não consegue tirar Rabello de uma zona de conforto que não valoriza algumas das boas tiradas do texto, resultando em espetáculo essencialmente monocórdio.

Sem se reinventar, a atriz, que já que comprovou ter domínio de registros variados ao estrelar montagem brasileira da comédia noir Atreva-se, sob a direção de Jô Soares, em 2012, rende menos do que poderia.

Mesmo citações a obras como Hamlet (1600), Macbeth (1603) e Muito Barulho por Nada (1593) soam perdidas na montagem que,se encaminhando para o fim, ganha ares de fato mais ambiciosos, mas tampouco os desenvolve, passeando com superficialidade por caminho feminista repleto de clichês de redes sociais.

Talvez esteja justamente no desejo incessante de dialogar com o formato de comunicação das redes sociais a irregularidade de Romeu & Julieta (e Rosalina). Ao levantar propostas de discussões e buscar contextualizar na contemporaneidade a obra de Shakespeare, o espetáculo navega por águas rasas sem de fato conservar o charme da premissa. Tal qual nas redes sociais, falta a obra mergulho profundo que não deixe a (boa) discussão simplesmente no campo da superficialidade.

SERVIÇO:

Romeu & Julita (e Rosalina)

Data: 09 a 29 de agosto (sábados)

Horário: 17h

Local: Zoom – Teatro PetraGold

Preço do ingresso: R$ 10,00

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